Como livrar meu filho do vício em cocaína?

E-mail enviado por uma leitora:  

“Boa noite, moro em Porto Alegre (RS) e tenho um filho de 29 anos que usa cocaína há seis anos. Estamos lutando há um ano para ele parar. Já conseguiu ficar 30 dias sem usar, mas agora usa com mais frequência. Quais remédios o senhor indicaria para ajudá-lo nessa luta? Procuramos psiquiatras, mas acho um pouco confuso, nenhum é taxativo quanto ao tratamento. Agradeço desde já.”

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Por Danilo Baltieri

Resposta: Cocaína é uma substância psicoativa altamente estimulante do Sistema Nervoso Central que é, infelizmente, consumida ao redor de todo o mundo. Alguns usuários casuais, portadores de determinados fatores de risco ambientais e pessoais (biológicos), progridem do uso recreativo para um quadro de síndrome de dependência. Uma vez que a síndrome de dependência à cocaína seja instalada, o simples desejo de obter o estado eufórico não justifica o uso continuado e irrefreável. A substância induz um comportamento compulsivo de difícil controle.

Estímulos que disparam a busca pela cocaína

A busca pela substância pode ser disparada por diferentes estímulos, tanto internos quanto externos (por exemplo, situações de estresse, visualizar um papelote vazio jogado na rua, ver pessoas consumindo, assistir a um filme no qual pessoas fazem uso). São tantos os fatores disparadores que é muito difícil destacar aqueles mais fortemente determinantes do uso.

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Já que lembranças ou memórias relacionadas ao consumo prévio são muito persistentes e refratárias ao esquecimento, tem-se pensado que a dependência da cocaína pode envolver regiões cerebrais responsáveis pelo armazenamento de informações, como o hipocampo. Portanto, além da cocaína afetar o sistema de recompensa cerebral envolvendo a dopamina e vários outros neurotransmissores, a substância afeta o sistema de memória, podendo, inclusive provocar a geração de novos neurônios. Esta habilidade da cocaína agir sobre a plasticidade do hipocampo provavelmente resulta na dificuldade para cessar o seu consumo por dependentes da substância. Paradoxalmente, enquanto a cocaína provoca a geração de neurônios que são estimulados por ela, também provoca graves prejuízos no funcionamento cognitivo global em cerca de 35% daqueles que dela fazem uso.

Estes prejuízos cognitivos, tais como redução do funcionamento executivo, da memória para eventos recentes e da atenção, prejudicam inclusive a adesão ao tratamento psicossocial.

Não há medicação comprovadamente eficaz para tratar a dependência

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Dadas as inúmeras alterações neurobiológicas e celulares provocadas pelo uso continuado da cocaína, é extremamente difícil desenvolver uma medicação que consiga bloquear seus efeitos recompensadores. De fato, não existem medicações aprovadas para o tratamento da síndrome de dependência de cocaína. No entanto, pesquisadores ao redor do mundo têm envidado sérios esforços na descoberta de medicações eficazes. As vacinas, com o propósito de gerar anticorpos anticocaína, ainda estão sob investigação rigorosa. Estimulação magnética transcraniana e a estimulação elétrica têm sido investigadas, mas com resultados ainda não plenamente conclusivos.

Embora não haja medicações comprovadamente eficazes para tratar a dependência da cocaína, há como medicar sintomas como ansiedade, depressão e impulsividade de forma eficaz.

O tratamento de escolha tem sido a terapia cognitivo-comportamental, focada na reestruturação do estilo de vida, na prevenção de recaídas, no reconhecimento dos “gatilhos” para o consumo, na modificação do ciclo de amizades, dentre várias outras estratégias.

A motivação do paciente dependente é, de fato, importante para o sucesso no tratamento. Sem uma motivação forte, sem o reconhecimento dos prejuízos gerados pelo uso, sem perspectivas reais, o desfecho terapêutico torna-se comprometido.

Os médicos que você tem consultado parecem estar sendo bastante honestos quanto ao tratamento. Não há medicação comprovadamente eficaz. O tratamento de escolha ainda é a terapia cognitivo-comportamental específica para este problema. Como mencionado previamente, isso não significa que medicações não possam ser incluídas no tratamento, sempre em linha com os sintomas associados com a síndrome de dependência da cocaína.

Boa sorte!

Atenção!
Este texto não substitui uma consulta ou acompanhamento de um médico psiquiatra e não se caracteriza como sendo um atendimento.