Derivados de maconha podem ser usados para tratar dependências químicas?

Resposta: Humanos têm a tendência para procurar estímulos positivos/recompensadores, seja pela busca de sensações diferentes, seja para aplacar sentimentos negativos. Os comportamentos de procura por estímulos podem ser arriscados (tais como enveredar-se em jogos, sexo, consumir regularmente bebidas alcoólicas, fumar cigarros), repetitivos (a tal ponto a se abandonar outras atividades essenciais do dia a dia), ou resultar em um estado de tamanha euforia que torna o indivíduo dependente dos ditos estímulos. Infelizmente, alguns destes comportamentos podem tornar-se excessivos e provocar no indivíduo a necessidade de recorrentemente experimentar o estímulo prévio.

Quais são as medicações utilizadas para tratar dependências químicas? 

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No atual cenário, poucas medicações são regularmente aprovadas para o tratamento das dependências químicas.

Para dependência de álcool:  


São as seguintes medicações: Dissulfiram, Naltrexone, Naltrexone-Depot, Acamprosato;

Para a dependência de opioides: Metadona, Buprenorfina, Buprenorfina/Naloxona, Clonidina, Naltrexone

Para a dependência de nicotina: Terapias de reposição de Nicotina e Vareniclina são as aprovadas, devido à eficácia e segurança terapêuticas testadas em diferentes estudos ao longo de anos.

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Para cada medicação, existem indicações e contraindicações as quais o especialista deve estar rigorosamente atento.

Por exemplo, o Naltrexone prescrito para o tratamento da dependência de opioides somente pode ser usado quando o paciente dependente estiver abstinente de quaisquer opioides por, pelo menos, 20 a 30 dias.

Diante deste relativamente pequeno número de medicações oficialmente aprovadas para uso nestes tipos de dependências químicas, há enorme necessidade do desenvolvimento de novas medicações eficazes e seguras para tratar estas e outras dependências de substâncias psicoativas. Por isso, inúmeros estudos longitudinais são realizados ao redor do mundo, dentro de padrões rigorosos de controle e de segurança, para afirmar a eficácia ou ineficácia de uma determinada medicação, além de uma dúvida razoável.

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Infelizmente, estudos do tipo “pharmacological trials” são onerosos e demandam tempo. Afinal, é mais do que fundamental usar uma medicação eficaz para determinada doença e com perfil adequado de segurança e prescrita por profissional capacitado e responsável.

Substâncias que atuam no sistema cerebral conhecido como Sistema Endocanabinoide têm sido testadas ao redor do mundo para o manejo de diferentes doenças. O Sistema Endocanabinoide consiste em receptores (proteínas) cerebrais e periféricos que reconhecem substâncias específicas e, sob o estímulo destas substâncias, exercem ações cerebrais e periféricas. O nosso cérebro produz substâncias endocanabinoides (como é o caso da Anandamida) que atua fisiologicamente nestes receptores, exercendo funções no pensamento, controle da dor, humor, memória, apetite e respostas sensoriais. Outrossim, este Sistema Endocanabinoide exerce influência sobre o chamado sistema de recompensa cerebral, e quando este último complexo sistema é ativado, comportamentos repetitivos tendem a ocorrer.

Como atua o Canabidiol?

Das mais de 480 substâncias derivadas da planta Cannabis sativa e Cannabis indica, o Canabidiol atua no Sistema Endocanabinoide e, segundo inúmeros dados, não parece provocar efeitos estupefacientes, de euforia ou de perturbação do funcionamento do Sistema Nervoso Central. Além disso, o Canabidiol não apenas medeia efeitos no Sistema Endocanabinoide cerebral mas também atua sobre outros sistemas de neurotransmissores, como os relacionados com a serotonina e com os opioides endógenos.

Dados os fatos de que este derivado canabinoide (Canabidiol) exerce atividades no Sistema Endocanabinoide e não provoca os efeitos ditos psicotrópicos, muitos pesquisadores têm aventado a hipótese de que tais novas drogas poderiam modular a resposta do sistema de recompensa cerebral quando substâncias psicoativas que geram abuso e dependência o atingem.

Pesquisas experimentais (em ratos) têm mostrado que o Canabidiol prejudica a sensação de recompensa normalmente provocada por determinadas substâncias psicoativas.

Outras pesquisas experimentais (em ratos) têm demonstrado que ratos que foram treinados na autoadministração de oxicodona (um opioide semissintético que tem causado uma verdadeira epidemia de casos de síndrome de dependência em alguns países do mundo) diminuíram a autoadministração após serem tratados com derivados canabinoides. Além disso, parece que derivados canabinoides reduzem os sintomas da síndrome de abstinência aos opioides.

Canabidiol pode reduzir a fissura pelo tabaco? 



Uso de Canabidiol pode reduzir fissura pelo tabaco

Também, estudos têm sido realizados com portadores da Síndrome de Dependência de Nicotina e demonstrado que o uso do Canabidiol reduz a fissura pelo tabaco. Como são estudos ainda recentes, outros mais são necessários, bem como a determinação da melhor e mais segura forma de administração do derivado canabinoide.

E a dependência de álcool? 

Quanto à Síndrome de Dependência de Álcool, estudos com derivados canabinoides têm também sido desenvolvidos. Estudos em ratos têm revelado que o Canabidiol reduziu os sintomas da síndrome de abstinência alcoólica bem como a quantidade de bebidas ingeridas. Outrossim, o Canabidiol se mostrou eficaz nestes estudos na redução do comportamento de busca pelo álcool.

A combinação de baixas doses do Canabidiol em conjunto com a medicação Naltrexone foi mais eficaz do que o uso apenas do Naltrexone na prevenção de recaídas entre ratos “dependentes de álcool”, em um estudo realizado no ano de 2018 (Viudez-Martínez A, García-Gutiérrez MS, Navarrón CM, Morales-Calero MI, Navarrete F, Torres-Suárez AI, Manzanares J. Cannabidiol reduces ethanol consumption, motivation and relapse in mice. Addict Biol, 2018, 1:154-164).

Quanto à cocaína, os efeitos dos canabinoides sobre a busca pela droga têm sido mistos, ou seja, entre ratos os derivados canabinoides não estão prometendo uma atividade terapêutica. Além disso, um estudo encontrou que ratos usuários de cocaína aumentaram a busca pela droga após serem expostos a um derivado canabinoide.

Crystal

No caso do Crystal (Metanfetamina), outro estudo experimental (em ratos) mostrou que a exposição ao Canabidiol melhorou o padrão de sono e reduziu a recorrência do consumo da droga.

Existe um corpo de pesquisas experimentais que apoiam mais estudos clínicos para o tratamento dos sintomas da síndrome de abstinência do álcool, alivio de quadros dolorosos crônicos, normalização do padrão do sono. As pesquisas experimentais com animais ilustram o potencial médico de certos produtos derivados canabinoides para o tratamento de diferentes quadros de Síndrome de Dependência.

De qualquer forma, mais estudos em humanos devem ser conduzidos com todo o rigor metodológico e ético atual. Como sempre reitero neste site Vya Estelar,  uma droga não é boa ou má por si só. Os efeitos terapêuticos, os efeitos colaterais, as doses terapêuticas, as doses tóxicas e as letais devem ser rigorosamente avaliadas.

Devemos levar em consideração que os derivados canabinoides podem causar efeitos contrastantes em humanos, dependendo das características individuais, dosagens e forma de administração. Por exemplo, eles podem suprimir ou mesmo intensificar efeitos sobre o corpo, incluindo náuseas, vômitos, tremor, ansiedade.

Onde mais podem ser aplicados os Canabinoides?

Canabinoides têm sido aprovados para uso em casos de vômitos incoercíveis após quimioterapia; contudo, em algumas situações, podem piorar os vômitos. Eles têm sido usados como analgésicos; no entanto, às vezes, provocam dor. Eles podem causar ansiedade, mas também podem ser ansiolíticos. Eles são atraentes, mas, às vezes, preocupantes.

E para a dependência de substâncias psicoativas?

Os derivados canabinoides não são aprovados para uso terapêutico em humanos dependentes de substâncias psicoativas neste momento. O próprio FDA (Food and Drug Administration) proscreve qualquer utilização destes derivados canabinoides para os portadores de Síndrome de Dependência a Substâncias Psicoativas, durante a prática clínica no corrente momento.

Obviamente, apesar dos atraentes efeitos anunciados no texto, os efeitos indesejáveis destes derivados canabinoides precisam ser levados em consideração e qualquer forma de prescrição indiscriminada destes derivados deve ser combatida.



Temos uma esperança a mais no combate contra o flagelo das dependências químicas. Todavia, não podemos criar mais um problema.