A crise de meio de carreira

por Roberto Santos

Existem três dimensões do tempo. Há o tempo real, que é objetivamente medido pelos relógios. O tempo biológico é aquele percebido por nosso corpo que faz com que a gente leve alguns dias para se ajustar ao horário quando entramos em outros fusos horários. Finalmente, há o tempo psicológico, ou seja, aquele que faz com que sintamos o tempo voar ou se arrastar, dependendo do que estamos vivendo.

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A forma como encaramos a vida em geral e a nossa carreira, em particular, depende muito mais da terceira dimensão do tempo do que das outras duas. Assim como algumas pessoas que chegam à faixa dos 40 – 50 anos se referem como tendo chegado à crise da meia idade, jovens profissionais que atingem a maturidade profissional em torno dos 35 anos parecem sentir que atingiram a crise de meio de carreira.

Os sintomas desta fase da carreira são uma revisão e questionamento existenciais: O que conseguiram realizar até então? Quais planos que foram adiados? Em que velocidade e direção sua evolução profissional se encontra, devagar quase parando ou em marcha à ré? Quais as opções para os próximos passos de carreira e o que fazer para fazê-las acontecer?

Lembrando Chico Buarque em Roda Viva: "a gente estancou de repente ou foi mundo então que parou?…"

Estes questionamentos nessa faixa etária tendem a ser muito comuns e saudáveis, dependendo de como são encarados psicologicamente. Por exemplo, podemos enxergar o copo à nossa frente como meio vazio ou meio cheio. Podemos avaliar objetivamente o que já foi conquistado no passado e olhar para o longo futuro pela frente que está para ser escrito, preferencialmente, com tintas otimistas.

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A crise de meio de carreira pode assumir distintas formas, relacionadas aos questionamentos que fazemos sobre as opções futuras:

Continuo na mesma área que estou e mudo de empresa ou mudo tudo?

Assim como o tempo tem uma dimensão psicológica, as decisões sobre as mudanças de carreira são muito subjetivas. Às vezes, a escolha que fazemos é motivada por experiências que parecem ter pouco a ver com o assunto em si. A perda de alguém muito querido, uma palestra de um professor, uma leitura de um artigo podem disparar uma série de pensamentos que levam a escolhas importantes.

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Independentemente dessa grande influência da subjetividade, há algo de objetivo para se apoiar a resposta ao questionamento colocado. Primeiramente, a realidade do mercado e a premência da empregabilidade atuais fazem com que a multifuncionalidade dos profissionais seja um trunfo nos currículos de profissionais. Portanto, havendo competência e motivação para uma mudança de área, isso só poderá contribuir positivamente para se reverter aquele sentimento de que se estava empacado. Algumas pessoas ainda não perceberam que mudanças laterais, mesmo que sem ganhos financeiros é um investimento certo na carreira de longo prazo e deve ser buscado ativamente.

Em segundo lugar, distintamente do que se passava no mercado há duas ou três décadas, as relações empregador – empregado mudaram. A lealdade quase que incondicional esperada dos trabalhadores era remunerada com uma promessa tácita de emprego estável até o fim da vida. As IBM's de até os Anos 70, as empresas japonesas da mesma época, e muitas empresas brasileiras ofereciam o emprego do "berço à sepultura". Chegaram as crises, a globalização, as reengenharias, os "downsizings" (vulgo "facão") e as regras do jogo mudaram rapidamente.

Atualmente, a relação de troca entre trabalhadores e patrões é de resultados que devem ser gerados pelos primeiros e uma remuneração fixa e/ou variável oferecida pelos últimos. Esta nova relação de trabalho é "infinita enquanto dure" posto que a chama dos recursos empresariais podem se acabar da noite para o dia e o mesmo pode acontecer com a paixão dos colaboradores.

Dessa maneira, diferentemente do que acontecia há 30 anos, a mudança de empresa não é mais um pecado que mancha a carteira profissional ou o CV de um profissional que fica menos do que cinco anos numa mesma empresa. O que conta atualmente não é o tempo real inscrito na história de nossa carreira, mas os motivos que levam às trocas. Mudanças que levam a um aumento daquela multifuncionalidade ou o acréscimo de responsabilidades podem ser bem vistas. Já aquelas mudanças motivadas apenas por uma graninha a mais no final do mês podem ser uma furada.

Ainda não cheguei a uma posição de liderança onde estou. Ainda tenho chance?

Mais importante do que se perguntar sobre a chance é refletir sobre: Será que tenho o perfil de liderança? Talvez a transição mais crítica de nossas carreiras se dá quando assumimos a responsabilidade pelos resultados gerados por outras pessoas, isto é, nossa primeira experiência como "chefes".

Precisamos deixar de fazer o trabalho como sempre o fizemos e conseguir que o trabalho seja feito por intermédio de outras pessoas, além das contribuições individuais que continuamos a oferecer.

Dependendo de como conseguimos desenvolver as novas competências de inspirar, motivar, delegar e desenvolver as pessoas sob nossa liderança; dependendo de como conseguimos readequar a alocação do tempo em nossas agendas, para incorporar o trabalho junto a nossos liderados e dependendo de como ajustamos nossos valores para adotar a cultura da empresa e novos padrões profissionais, poderemos nos inscrever na corrida à cúpula de grandes organizações ou encarar um descarrilamento profissional desastroso.

É muito comum nos depararmos com ótimos vendedores ou técnicos que são erroneamente promovidos para uma posição de chefia e acabamos perdendo um ótimo vendedor ou técnico e ganhando um péssimo líder. O pior para a pessoa erroneamente promovida é que o caminho de volta nunca é fácil e, geralmente, implica na troca involuntária de emprego.

O verdadeiro líder já começa a exercer esta competência e tê-la percebida por outras pessoas, antes que a empresa lhe conceda o título e tudo que vem com as novas responsabilidades. Portanto, se a ascensão ao topo da pirâmide faz parte de suas aspirações para o futuro de sua carreira, reflita sobre como você pode projetar uma imagem de liderança reconhecida por seus colegas e superiores que o reconhecimento virá com o tempo.

Todas as crises têm uma mescla de risco e oportunidade como já descreviam os milenares ideogramas chineses. Podemos equilibrar nossa visão para os dois lados dessa moeda para enfrentar a crise de meio de carreira, de maneira a estimular novos esforços de autodesenvolvimento, buscar novos desafios, elevar nosso padrão de desempenho, ampliar e aprofundar nossas relações de trabalho e, acima de tudo, afinar nossos instrumentos de autoconhecimento, para seguir o caminho.

A crise de meio de carreira

por Roberto Santos

Existem três dimensões do tempo. Há o tempo real, que é objetivamente medido pelos relógios. O tempo biológico é aquele percebido por nosso corpo que faz com que a gente leve alguns dias para se ajustar ao horário quando entramos em outros fusos horários. Finalmente, há o tempo psicológico, ou seja, aquele que faz com que sintamos o tempo voar ou se arrastar, dependendo do que estamos vivendo.

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A forma como encaramos a vida em geral e a nossa carreira, em particular, depende muito mais da terceira dimensão do tempo do que das outras duas. Assim como algumas pessoas que chegam à faixa dos 40 – 50 anos se referem como tendo chegado à crise da meia idade, jovens profissionais que atingem a maturidade profissional em torno dos 35 anos parecem sentir que atingiram a crise de meio de carreira.

Os sintomas desta fase da carreira são uma revisão e questionamento existenciais: O que conseguiram realizar até então? Quais planos que foram adiados? Em que velocidade e direção sua evolução profissional se encontra, devagar quase parando ou em marcha à ré? Quais as opções para os próximos passos de carreira e o que fazer para fazê-las acontecer?

Lembrando Chico Buarque em Roda Viva: "a gente estancou de repente ou foi mundo então que parou?…"

Estes questionamentos nessa faixa etária tendem a ser muito comuns e saudáveis, dependendo de como são encarados psicologicamente. Por exemplo, podemos enxergar o copo à nossa frente como meio vazio ou meio cheio. Podemos avaliar objetivamente o que já foi conquistado no passado e olhar para o longo futuro pela frente que está para ser escrito, preferencialmente, com tintas otimistas.

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A crise de meio de carreira pode assumir distintas formas, relacionadas aos questionamentos que fazemos sobre as opções futuras:

Continuo na mesma área que estou e mudo de empresa ou mudo tudo?

Assim como o tempo tem uma dimensão psicológica, as decisões sobre as mudanças de carreira são muito subjetivas. Às vezes, a escolha que fazemos é motivada por experiências que parecem ter pouco a ver com o assunto em si. A perda de alguém muito querido, uma palestra de um professor, uma leitura de um artigo podem disparar uma série de pensamentos que levam a escolhas importantes.

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Independentemente dessa grande influência da subjetividade, há algo de objetivo para se apoiar a resposta ao questionamento colocado. Primeiramente, a realidade do mercado e a premência da empregabilidade atuais fazem com que a multifuncionalidade dos profissionais seja um trunfo nos currículos de profissionais. Portanto, havendo competência e motivação para uma mudança de área, isso só poderá contribuir positivamente para se reverter aquele sentimento de que se estava empacado. Algumas pessoas ainda não perceberam que mudanças laterais, mesmo que sem ganhos financeiros são um investimento certo na carreira de longo prazo e deve ser buscado ativamente.

Em segundo lugar, distintamente do que se passava no mercado há duas ou três décadas, as relações empregador – empregado mudaram. A lealdade quase que incondicional esperada dos trabalhadores era remunerada com uma promessa tácita de emprego estável até o fim da vida. As IBM's de até os Anos 70, as empresas japonesas da mesma época, e muitas empresas brasileiras ofereciam o emprego do "berço à sepultura". Chegaram as crises, a globalização, as reengenharias, os "downsizings" (vulgo "facão") e as regras do jogo mudaram rapidamente.

Atualmente, a relação de troca entre trabalhadores e patrões é de resultados que devem ser gerados pelos primeiros e uma remuneração fixa e/ou variável oferecida pelos últimos. Esta nova relação de trabalho é "infinita enquanto dure" posto que a chama dos recursos empresariais podem se acabar da noite para o dia e o mesmo pode acontecer com a paixão dos colaboradores.

Dessa maneira, diferentemente do que acontecia há 30 anos, a mudança de empresa não é mais um pecado que mancha a carteira profissional ou o CV de um profissional que fica menos do que cinco anos numa mesma empresa. O que conta atualmente não é o tempo real inscrito na história de nossa carreira, mas os motivos que levam às trocas. Mudanças que levam a um aumento daquela multifuncionalidade ou o acréscimo de responsabilidades podem ser bem vistas. Já aquelas mudanças motivadas apenas por uma graninha a mais no final do mês podem ser uma furada.

Ainda não cheguei a uma posição de liderança onde estou. Ainda tenho chance?

Mais importante do que se perguntar sobre a chance é refletir sobre: Será que tenho o perfil de liderança? Talvez a transição mais crítica de nossas carreiras se dá quando assumimos a responsabilidade pelos resultados gerados por outras pessoas, isto é, nossa primeira experiência como "chefes".

Precisamos deixar de fazer o trabalho como sempre o fizemos e conseguir que o trabalho seja feito por intermédio de outras pessoas, além das contribuições individuais que continuamos a oferecer.

Dependendo de como conseguimos desenvolver as novas competências de inspirar, motivar, delegar e desenvolver as pessoas sob nossa liderança; dependendo de como conseguimos readequar a alocação do tempo em nossas agendas, para incorporar o trabalho junto a nossos liderados e dependendo de como ajustamos nossos valores para adotar a cultura da empresa e novos padrões profissionais, poderemos nos inscrever na corrida à cúpula de grandes organizações ou encarar um descarrilamento profissional desastroso.

É muito comum nos depararmos com ótimos vendedores ou técnicos que são erroneamente promovidos para uma posição de chefia e acabamos perdendo um ótimo vendedor ou técnico e ganhando um péssimo líder. O pior para a pessoa erroneamente promovida é que o caminho de volta nunca é fácil e, geralmente, implica na troca involuntária de emprego.

O verdadeiro líder já começa a exercer esta competência e tê-la percebida por outras pessoas, antes que a empresa lhe conceda o título e tudo que vem com as novas responsabilidades. Portanto, se a ascensão ao topo da pirâmide faz parte de suas aspirações para o futuro de sua carreira, reflita sobre como você pode projetar uma imagem de liderança reconhecida por seus colegas e superiores que o reconhecimento virá com o tempo.

Todas as crises têm uma mescla de risco e oportunidade como já descreviam os milenares ideogramas chineses. Podemos equilibrar nossa visão para os dois lados dessa moeda para enfrentar a crise de meio de carreira, de maneira a estimular novos esforços de autodesenvolvimento, buscar novos desafios, elevar nosso padrão de desempenho, ampliar e aprofundar nossas relações de trabalho e, acima de tudo, afinar nossos instrumentos de autoconhecimento, para seguir o caminho.