De outro ponto de vista

por Angelina Garcia

A reportagem fazia parte de uma sequência, cuja intenção era mostrar detalhes da relação entre patroa e empregada. Naquele dia, o foco estava nos percalços relativos à presença constante de quem não pertence à família. Presença necessária, em determinadas sociedades, para muitos que dela acabam se tornando dependentes.

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O exemplo veio de uma patroa que abrira um espaço no interior de sua casa para servir de quarto à empregada, que deixaria o “quarto de empregada” para desfrutar das dependências onde os familiares circulavam. Pode-se pensar a situação de, no mínimo, três pontos de vista: o da empregada, o da patroa e o de quem analisa, relativamente de fora.

A empregada, visivelmente emocionada, chegou às lágrimas para demonstrar sua gratidão em se sentir acolhida como membro da família. Elogiou a patroa, ressaltando o quanto ela se diferenciava de outras: – uma verdadeira mãe, ela dizia.

A patroa também fez menção aos atributos, para ela positivos, da empregada: não incomodava; permanecia disponível vinte e quatro horas; responsável; confiável. Tudo confirmado pelo longo tempo ao seu lado. Por que, então, não lhe dar um quarto bem perto do seu? Percebera que, muitas vezes, estava cansada, ou tinha tanta urgência, que precisava da moça ao alcance da voz, não lá nos fundos da casa, ela dizia.

Existe um imaginário que permeia esse tipo de relação, um serve para servir e o outro para ser servido, e nisso estão implicados os limites que definem cada qual, o que lhe é permitido ter, saber, enfim, a que acessos têm direito. Na situação descrita quebra-se esse acordo, levando-a a parecer tão incomum que mereça destaque. Cada uma, de uma posição que foi se formando discursivamente (pela ideologia, pela história), só ouviu da fala da outra aquilo que marcava sua participação no inusitado da situação, selando-o com um abraço.

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Perceber esses mecanismos (exatamente no sentido de “mecânica”, que o dicionário traz como figurado, “parte material ou externa da linguagem”) no discurso, no qual se materializa o imaginário, poderia abrir a possibilidade de rever posições. Não que seja fácil, pois no caso relatado, resultaria em perdas para ambos os lados. Ao se confrontarem com conceitos como exploração e dependência, automaticamente seriam levadas a escolhas, outras ou as mesmas, de certa forma, mais conscientes.

Embora o relacionamento parecesse atender particularmente a necessidades dessas duas mulheres, há de se estranhar que sirva de exemplo de apaziguamento entre posições tão distintas.