Percepção é a porta para a concentração

por Renato Miranda

Escrevi sobre a importância da concentração em crianças esportivamente ativas e por várias vezes a palavra percepção apareceu neles.

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Algumas pessoas me perguntaram se eu não poderia escrever algo em linhas gerais e prático a respeito da percepção.

Como escrever nunca é uma tarefa fácil para mim, mas sempre atraente, não custa tentar. Portanto, vamos lá!

Em minhas palestras e cursos sobre concentração sempre começo a falar sobre percepção que chamo de porta para a concentração. Se a pessoa entende o que é percepção e vislumbra sua importância, ela automaticamente estará preparada para se concentrar.

Primeiramente e em poucas palavras é bom diferenciar sensação de percepção. Sensação é o registro de estímulos físicos por meio dos órgãos sensoriais. São esses, por exemplo, que detectam a luz (visão) e o som (audição), registrando-os nos neurônios e enviando-os para os centros nervosos.

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A percepção é a organização e interpretação mental dessas sensações, através dos recursos mentais. Desse modo fica claro que a sensação embora não seja sinônimo de percepção faz parte da mesma, como o primeiro ato de interpretação de alguma experiência. Portanto, a percepção é dependente, mas diferente dos sentidos.

Basicamente, o primeiro passo para uma boa percepção é manter nossos órgãos sensoriais em ótimo estado, para que não haja uma “falha” perceptiva. Se uma criança, por exemplo, não está escutando bem, é notório que em uma sala de aula ela interpretará (percepção!) de modo equivocado muitas das coisas que professores dirão e consequentemente a aprendizagem será deficitária.

Outro fator que diferencia percepção e sensação é o que Roberto Lent em seu livro intitulado Cem bilhões de neurônios, chama de constância perceptual. Para entender o que seja, veja o exemplo que este autor escolheu: “Sabemos a quem pertence uma voz familiar e ela parece-nos provir de uma mesma pessoa, independentemente se ela está rouca, sussurrando ou gritando. Embora os sons que ouvimos sejam diferentes.”

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Ademais, o sentimento é parte da percepção, isto é, a avaliação emocional das sensações recebidas. Quando o atleta jovem ouve uma orientação em que ele entende o significado das palavras e ao mesmo tempo sente conforto e segurança naquele que as transmite, causando emoção harmonizada, há uma grande possibilidade de se ter uma ótima percepção da orientação dada.

Por outro lado, quando a emoção é exacerbada, dificulta-se a percepção. Em consequência, prejudica-se a concentração e, naturalmente, atrapalha-se a precisão.

Ressalta-se que as vivências (experiências) ajudam na capacidade de perceber melhor um novo estímulo ou desafio, pois a percepção também está ligada à memória, à cognição e ao comportamento, como podemos observar no exemplo abaixo:

Um atleta de futebol ao receber a bola no meio de campo em uma situação semelhante a outra treinada várias vezes, age de forma concentrada da seguinte maneira:

– observa (visão/sensação) a “cena” (jogadores adversários, companheiros e a bola rapidamente).

– em observação: selecionar o que relevante, entre vários estímulos disponíveis.

– comparar e avaliar a “cena” atual com aquilo que é semelhante e está arquivado em sua memória.

– pensar (cognição) exatamente qual a melhor tomada de decisão para o que tem que ser feito.

– manter-se equilibrado emocionalmente para não prejudicar a precisão da tarefa.

Outro exemplo, fora do esporte que ajuda a entender como as experiências marcam consideravelmente a importância da percepção é quando ouvimos uma pessoa falar uma língua que nós não entendemos nada. Aqui só há registro do estímulo físico (audição). Não há interpretação das palavras.

Por vezes no esporte infantil, técnicos falam com as crianças para elas fazerem algo. Elas então fazem “tudo errado”. Isto por que não perceberam o que foi dito, pelo simples fato de não compreenderem as palavras utilizadas ou por não terem escutado direito. Ou seja, quando não há uma boa percepção, a análise e a síntese daquilo que tem que ser feito fica prejudicado e isso erroneamente é interpretado pelos técnicos como falta de concentração.

Em resumo, analisar e sintetizar são mecanismos da percepção, mas a responsabilidade pelo desenvolvimento desses processos está a cargo dos órgãos sensoriais. Em outras palavras, as sensações são a essência da percepção.