Será que mulheres gostam realmente de games?

por Marcio Berber Diz Amadeu – psicólogo do NPPI

Já faz um bom tempo que videogame deixou de ser coisa de criança. Pesquisas recentes indicam que a maior parte dos jogadores atualmente é composta por mulheres e podemos afirmar que há uma grande diversidade, seja em sentido cultural, econômico, etário ou mesmo de gênero no mundo dos games.

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Mas, como em muitos outros lugares, nem sempre a diversidade é bem-vinda. Recentemente, observamos o crescimento de um movimento cruel: o gamergate. Disfarçado de defensor da ética, esse movimento serve como pretexto para ameaçar e segregar o diferente, no universo gamer. Este artigo não tem como objetivo descrever o fenômeno (muitos já fizeram isso), mas refletir sobre o que tem acontecido nesse universo.

Iniciaremos por uma pergunta simples: Será que mulheres gostam realmente de games?

Normalmente vemos homens jogando games de luta/esportes, enquanto temos a imagem da mulher como usuária de jogos casuais ou sociais. Bem, não existe regra fixa a respeito dos jogos preferidos por cada sexo. Na verdade, muitas mulheres jogam games tipicamente masculinos e muitos homens adotam jogos casuais, mas acredito que existam dois fatores geradores dessa distribuição tida como usual.

O primeiro consiste no fato dos games mais comuns em Playstation e Xbox, especialmente blockbusters, exigem certa curva de aprendizado. Eles são feitos, muitas vezes, como uma repetição de jogos que fizeram sucesso no passado nas mesmas plataformas antigas e possuem sempre controles similares, que podem ser fáceis para quem já gosta desse tipo de jogo, mas difíceis para um novato. Por isso, não apenas mulheres, mas qualquer ser humano que não esteja acostumado com esse tipo de game terá dificuldade em jogá-los. Já os games casuais, não apresentam esse tipo de obstáculo.

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O segundo fator pode ser reflexo de um estereótipo cultural. Jogos mais populares como first person shooters de guerra são mais jogados por homens também porque esse tipo de ambientação e história faz parte do universo masculino desde cedo. Basta ver a seção infantil de qualquer loja de brinquedos. Meninos aprendem a brincar com soldados, brinquedos que remetem a guerras e lutas, enquanto meninas são excluídas desse tipo de brincadeira.

Mas, então, por que temos investimento infinitamente maior em jogos "masculinos"?

De maneira geral, a preferência por jogos reflete a sociedade em que vivemos. Sem entrar no mérito da possível influência dos jogos violentos em crianças e adolescentes, acredito que eles são os jogos em que há mais investimento por parte das empresas em função do retorno que propiciam. Um exemplo é a franquia de Call of Duty, que já rendeu mais de 10 bilhões de dólares em lucro. Por isso, esse tipo de jogo é o mais comercializado e consumido. E muitas vezes são elaborados e dirigidos especificamente para o público-alvo conservador: homem, adolescente, gamer experiente, introvertido, branco, de classe média, da sociedade ocidental.

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Mas o que acontece com a representação das mulheres nessa nova mídia conservadora? Não somente nos videogames temos essa imagem estereotipada, basta nos lembrarmos dos comerciais de cerveja. O que de fato acontece é que as grandes empresas identificam o público gamer dentro desse padrão e, como consequência, temos o investimento na imagem da mulher objetificada. Ou seja, é uma continuação do histórico dessa mesma imagem nos meios de comunicação nos últimos 20 ou 30 anos. Funcionava para vender filmes na década de 80 e 90, logo deve funcionar para o nosso jogador padrão conservador, certo?

E muitas vezes a história do jogo gira em torno unicamente do universo masculino, onde a presença feminina serve apenas como troféu ou motivação para o personagem alcançar o ápice de sua "masculinidade" derrotando o vilão e ficando com a princesa.

Mas, a culpa é de quem faz jogos, então? Mais ou menos. Ninguém planeja retratar mulheres apenas como frágeis e indefesas. Essa é mais uma consequência da repetição das tendências já atuantes no mundo dos games. Um exemplo é o filme Indie Game, no qual The Movie – o desenvolvedor do jogo Super Meat Boy – relata em determinado momento, como o seu sonho era construir jogos com exatamente a mesma temática que ele jogava quando era criança (herói-vilão-princesa). Por esse motivo, o personagem principal precisa salvar a sua namorada raptada. O principal problema da presença dessa abordagem nos games é a perpetuação do papel da mulher como objeto.

Mesmo não influenciado diretamente, o videogame reflete a cultura ocidental no qual está inserido e no final das contas acaba repetindo e perpetuando as mesmas mensagens dos outros meios de comunicação, como a televisão e o cinema, onde a mulher é um objeto, e o mundo é dos homens. E, como era de se esperar na nossa cultura, quando uma opinião contrária surge, essa é fortemente atacada pelo nosso público gamer conservador, que enxerga como ameaça o questionamento sobre o papel das mulheres nos games. O ápice dessa reação parece ser o gamergate.

Justamente por ser um tipo de atividade disruptiva e abrir possibilidades para interação e imersão, os videogames deveriam abordar esses temas de maneiras bem diferentes. Mas o videogame também é, em muitos aspectos, um reflexo da sociedade. Ele não existe num vácuo. Por isso acredito que o que acontece nele é uma versão em miniatura do que vem acontecendo na nossa cultura como um todo. Se vivemos num mundo que ainda objetifica as mulheres em filmes, séries e livros. Por que no mundo gamer seria diferente?