Depois de longa abstinência voltei a beber. Preciso de ajuda.

por Danilo Baltieri

"Sou dependente de álcool. Fui membro ativo do A.A (Alcoólicos Anônimos) durante 15 anos. Era frequente nas reuniões, fazia palestras sobre os 36 princípios do programa (12 passos, 12 tradições e 12 conceitos). Em 2010 fiz uma palestra sobre "Os doze conceitos para serviços mundiais de A.A". Porém, dois dias depois, bebi, e continuo até hoje. Não houve nada de excepcional, tudo caminhava bem (família, trabalho, A.A etc). A partir daí, nunca mais consegui frequentar uma sala de recuperação de A.A. Foi como se eu tivesse acordado de um sono hipnótico, isto é, como se o programa de recuperação seguido, e cada reunião, tivesse funcionado como sessões de "auto-hipnose", que por alguma razão (que eu ainda não descobri), fora interrompida e que, por falta de reforço, me enfraqueci. Preciso de ajuda, tenho consciência de que sozinho não consigo. Aguardo um retorno"

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Resposta: Como temos já enfatizado inúmeras vezes, a Síndrome de Dependência de Álcool é uma doença crônica com raízes neurobiológicas, genéticas e psicossociais. Uma vez que o quadro de dependência foi instalado, o tratamento deverá ser contínuo e a observância às situações de risco e recaídas precisará ser permanente. Muitas vezes, as fórmulas de tratamento precisarão ser modificadas ao longo do quadro, tendo em vista as variadas manifestações da doença.

Infelizmente, o RISCO de recaída nunca será zero em um indivíduo portador do quadro de síndrome de dependência. Existem várias possibilidades que tornam o indivíduo abstinente há vários anos suscetível a uma nova recaída. Seguramente, dado que aqueles que padecem dessa doença são um grupo bastante heterogêneo, avaliações individualizadas por profissionais altamente qualificados na matéria são desejáveis.

Por que pode ocorrer recaída após longa abstinência?

Tendo dito isso, cito algumas destas possibilidades:

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a) Pessoas dependentes de álcool podem sentir seguras demais quanto a um suposto controle sobre a substância. Assim, podem tentar um 'beber social' e, consequentemente, o quadro anterior reinstala-se rapidamente;

b) Dependentes de álcool frequentemente padecem de outros problemas psiquiátricos e psicológicos ao mesmo tempo. A isso chamamos de 'diagnóstico duplo.' Ter um outro quadro médico não tratado ou mesmo pobremente manejado confere ao portador da dependência um risco considerável de recaídas. Sabemos que quadros de depressão e ansiedade perfazem a maior percentagem desses problemas em indivíduos dependentes de álcool. No entanto, outros quadros devem ser adequadamente investigados e, se presentes, tratados corretamente;

c) Pessoas com quadros de dependência de álcool, mas abstinentes há muito tempo, podem adquirir (ou mesmo ressuscitar) a crença de que a vida era "melhor" quando faziam uso de bebidas. Na verdade, elas se esquecem dos vários problemas vividos naquela época, bem como do árduo trabalho para interromper o consumo inadequado. Todos nós encaramos desafios, e estes existirão enquanto existirmos, em graus bastante variáveis; seguramente, nenhuma substância psicoativa como o álcool ou outras drogas será uma solução para eles, ou mesmo, torná-los mais amenos. Assim, receber auxílio especializado e por tempo prolongado é uma ferramenta importante no processo de manutenção da abstinência. Outrossim, intensificar um manejo terapêutico adequado em determinados momentos da vida (mortes de pessoas próximas, separação, solidão, desemprego, aposentadoria etc) deve ser uma proposta para o portador.

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Apesar destas e de outras possibilidades e razões para recaídas depois de vários anos de abstinência continuada, os quadros devem ser examinados individualmente. Sabemos que dentre aqueles dependentes que permaneceram abstinentes por um ano, cerca de metade recairá; já dentre aqueles que permaneceram abstinentes por 5 anos, cerca de menos de 15% recairá nos anos seguintes. As taxas de recaída, assim, costumam diminuir à medida que o indivíduo permanece tempos em abstinência. No entanto, como dito anteriormente, as recaídas são uma realidade em qualquer fase da recuperação do portador.

Como você bem sabe, sua doença é crônica. Você sabe que será extremamente difícil uma recuperação sólida, se estiver sozinho. Mas você também sabe que existem ferramentas variadas para ajudar você nessa trajetória cheia de ingredientes por vezes insalubres. Procure atendimento com médico psiquiatra especialista na matéria. Seguramente, ele irá avaliar o seu problema atual, prescrever um novo modelo de tratamento e manejo individual e familiar. Não desista.