Diálogo real sobre uma demissão

por Luís César Ebraico

O diálogo que segue ocorreu de fato.  Travou-se entre mim e uma funcionária de minha clínica:

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LUÍS CÉSAR:  —  Mônica, não estou satisfeito com o fato de que você XYZWJ.

MÔNICA (funcionária, bastante eficiente, mas também bastante malcriada):  —  Se o senhor não está satisfeito com o meu trabalho, então, me despeça.

LUÍS CÉSAR:  —  Você está com vontade de pedir demissão?

MÔNICA:  —  Eu, não!

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LUÍS CÉSAR:  —  Então, vamos combinar assim:  quando você estiver com vontade de pedir demissão, você vem falar comigo e pede demissão;  quando eu estiver com vontade de demiti-la, eu chamo você e a demito.  Por enquanto, estou apenas com vontade de lhe dizer que não estou satisfeito com o fato de que você XYZWJ.  Fui claro?

E minha eficiente, embora todo-orgulhosa funcionária, saiu mansa e parou de XYZWJ.  O que podemos aprender aqui?

No diálogo intitulado “Maionese”, o quinto publicado nesta coluna, assinalei que um dos princípios da comunicação adequada havia sido enunciado por Nerso da Capitinga, personagem da Escolinha do Professor Raimundo, de maneira concisa e eficaz:  “Eu é eu e o sinhorr é o sinhorr”!

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Vivemos em uma cultura com excessiva “promiscuidade existencial”, em que pessoas se dão ao direito de dizer aos outros (detalhe:  sem serem perguntadas) o que devem ou não fazer.  E não é raro que, numa situação como a relatada acima, a pessoa que sofreu a invasão, sentindo-se agredida, reaja de maneira irracional, agindo, não segundo a sua vontade, mas em função da provocação do outro.  Eu não queria – pelo menos naquele momento (mais tarde, acabei preferindo fazê-lo) – demitir a Mônica, mas poderia tê-lo feito, se tivesse reagido de maneira impulsiva a sua tentativa de tomar para si uma decisão que só a mim cabia.  Fico satisfeito de, naquele momento de confrontação, ter sido capaz de distinguir com clareza quem era eu e quem era ela.

Aliás, o que será que queremos dizer quando afirmamos que fulano é uma pessoa distinta?  Sou inclinado a acreditar que, conscientes ou não disso, queremos é dizer que tal pessoa é capaz de distinguir – ou seja, diferenciar – quem é ela e quem são os demais, não invadindo o espaço de decisão que pertence aos outros, nem permitindo que invadam o seu.