Caminhos para um diálogo saudável e eficaz – Parte II

por Luís César Ebraico

No texto anterior (clique aqui), iniciei uma série sobre orientação *loganalítica via internet. Agora escrevo a segunda parte deste texto.

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PARTE II

Paula cumpriu minha solicitação e passou a enviar-me, por e-mail, fragmentos de diálogos ocorridos entre ela e seu marido, que chamarei de Felipe.  Passei a responder-lhe com e-mails em que eu repetia trechos dos diálogos recebidos, seguidos de comentários loganalíticos.  Os trechos de Paula vão em azul, meus comentários em preto.

Diálogo I

(O diálogo a seguir ocorreu no sábado passado, à noite, quando saíamos de um casamento, logo após dois caras que não conhecíamos virem tirar satisfação com o meu marido a respeito de fotos que ele havia tirado e de coisas que havia falado para as namoradas dos dois)

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Felipe: Você devia ter me defendido e não ter ficado me julgando!

Paula: Mas eu não sei o que aconteceu, não sei o que você fez ou falou para as meninas!

Felipe: Eu não fiz nem falei nada de mais, já te disse!

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Paula:  Mas o que você falou?

Felipe: Eu não falei nada, já disse!

Paula: Você não falou nada ou você acha que não falou nada de mais?

Felipe: Isso não importa, independente do que eu fiz ou falei você deveria ter me defendido!

Eu:  Não entendo como você poderia tê-lo defendido ou acusado se você NÃO SABIA DE NADA.  Na verdade, o que me pareceria razoável (sem que eu esteja a par de todas as circunstâncias, o que poderia invalidar minha opinião) é que, quando os rapazes reclamaram, você se tivesse dirigido a eles, identificando-se como esposa e dizendo que você gostaria de saber deles exatamente o que havia ocorrido.  De qualquer forma, tendo-se passado o episódio como se passou, o mais razoável, dentro do espírito da **NC, seria você haver dito para seu marido:  “DESCULPE SE MAGOEI VOCÊ, NÃO FOI MINHA INTENÇÃO!” 

Paula:  É que eu fico preocupada, às vezes o que é normal para você não é para os outros.

Eu:  Gostei do “eu fico preocupada”.  Foi AUTOLÓGICO (EU (=autologia) e expressou um SENTIMENTO. 

Felipe:  Eu não falei nada! Eu não fiz nada! Você não confia em mim?

Paula:  Eu só acho que você pode ter dito alguma coisa sem intenção de fazer mal, mas que pode ter feito.

Eu:  Você confia ou não?  Acho que esse assunto deve ser encarado sem rodeios.  Não vejo cabimento, numa relação marital, em que um parceiro seja OBRIGADO a confiar no outro, nem que tenha que ESCONDER, se for o caso, QUE NÃO CONFIA.  Aliás, você SABE se confia ou não?

[Veja, Paula:  eu disse que lhe mandaria um e-mail com o resultado do trabalho feito em 45 min., tempo que duram minhas sessões de loganálise.  Completei esse tempo e trabalhou-se MUITO MENOS do que se trabalharia “tête à tête”.  Mas como estou disposto e quero aprender, vou trabalhar mais quarenta e cinco minutos, para ver o quanto isso rende]

Felipe: Eu não vou mais conversar sobre isso, vou te dar um tempo pra pensar.

Paula (dirigindo-se a mim):  E saiu de casa e só voltou na madrugada de domingo para segunda-feira. Neste meio tempo mandei uma mensagem no celular pedindo desculpas.

Eu: (1) É, vocês estão de fato com um tipo de diálogo que costuma terminar em agressão ou afastamento.  Acho que podemos mudar isso;
Não entendi o OBJETO do pedido de desculpas.

Diálogo II

(Este diálogo ocorreu ontem à noite e ainda versa sobre a discussão quando da saída do casamento)

Paula: Na verdade sabe o que eu acho que mais me incomodou nesta história toda?

Felipe: O quê?

Paula: É que quando o cara veio tirar satisfações com você, eu entrei no meio da confusão e disse que era sua esposa e ele me olhou com uma cara estranha, sei lá, de quem não está entendendo.

Felipe: Como assim? 

Paula:  Era como se ele dissesse "por que um cara acompanhado estava lá incomodando minha namorada?"  Como se ele não acreditasse que você estivesse comigo. E eu fiquei me sentindo um lixo. Por que você não estava lá do meu lado?

Eu:  Acho que, se você tivesse parado em  “eu fiquei me sentindo um lixo” teria ficado de ótimo tamanho.  Aos poucos você vai perceber que pedidos de explicação do tipo “Por que você não estava lá, etc.?” não levam a nada.  Nove entre dez vezes, o interlocutor muda de assunto, ou responde de forma absolutamente insatisfatória.

Felipe:  Você está voltando na mesma discussão de 2 semanas atrás.

Eu: Uma boa resposta seria:  “O que mostra que o assunto da discussão de duas semanas atrás não se resolveu”.

Paula:  Pois é, eu percebi isso, foi a mesma coisa que me incomodou. Eu me senti sozinha, menos importante. Desde que eu cheguei na festa foi tudo supergostoso, eu estava me sentindo bem, bonita, todos os nossos amigos vieram falar que eu estava supersexy, fiquei me achando o máximo! Aí no fim da noite acontece isso. Eu fiquei me sentindo mal. De que adianta me sentir toda bonita e sexy, se no fim da noite tenho que ouvir um cara me encarando com cara de ué e falando que você estava incomodando a namorada dele?

Eu:  Essa comunicação foi simplesmente perfeita.  Foi autológica, ***microscópica e expressou seus sentimentos.

Felipe:  O que você quer é que eu fique o tempo todo te paparicando!

Eu:  Olha como uma resposta microscópica poderia ajudar aqui:  “Bem se o nome certo para o que eu queria é “paparicação” e se eu quero isso O TEMPO TODO, eu não sei.  Mas que, naquela festa, eu gostaria que você tivesse ficado ao meu lado, em vez de tirando fotografia de outras, ah, lá isso eu queria!”.

Felipe:  Você estava se sentindo sexy, bonita, admirada por todo mundo, só que eu também gosto de me sentir bem, eu também tenho o direito de me sentir bonito e admirado. Eu não acredito em relações desequilibradas, eu não vou te colocar num pedestal e ficar babando por você.

Eu:  Este é o argumento da “inutilidade” (= “Se você está pensando que vai mudar alguma coisa falando isso, está muito enganada!”), um dos quatro principais para se tentar calar a boca do outro. 

Paula: (depois de pensar um pouco): É, talvez eu queira que você fique babando por mim.

Eu:  Seria melhor uma resposta que REAFIRMASSE SEU DIREITO de verbalizar o que sentiu, por exemplo:  “Eu não me lembro de haver dito para você PARAR DE FAZER o que fez, lembro-me apenas de haver dito que fiquei me sentindo mal – sozinha e desimportante – com você tê-lo feito.  Continuar fazendo ou parar de fazê-lo quem resolve é você.  E resolve bem informado, sabendo do impacto que pode ter sobre mim”.

Felipe:  Só que eu também quero ser bem tratado! Mas eu faço tudo por você, não tem como eu fazer mais! E você me trata mal! Você é agressiva comigo!

Paula:  Eu sei que fui agressiva com você algumas vezes e já pedi desculpas por isso. Eu não quero fazer mais isso. Mas eu acho que você poderia fazer mais por mim também.

Eu: “acho que você poderia fazer mais por mim”.  Esse tipo de fala costuma ser totalmente ineficaz.  Veja o tipo de resposta, assentada na microscopia, que tende a levar a melhor entendimento:  “Fulano (não me lembro do nome de seu marido), não me parece muito produtivo esse negócio de TUDO OU NADA, NUNCA OU SEMPRE.  ONTEM, NO CASAMENTO, você NÃO FEZ o que eu gostaria de que você tivesse feito e me SENTI MAL.  Ponto.  Você tem todo o direito de, se quiser, continuar não fazendo e eu, se não conseguir mudar, de continuar aborrecendo-me com isso e, se me der ganas para tanto, de comunicar a você como me senti.  De qualquer forma, se eu tenho uma reação desproporcional a abandono é meu o ônus de tratá-la, não seu o ônus de me proteger de minhas fobias.” 

Felipe: Você não merece que eu faça mais!

Paula: Espera aí, agora a conversa mudou. Você acha que não tem como me tratar melhor do que você me trata ou você não quer me tratar melhor do que você me trata porque você acha que eu não mereço?

Eu:  Não sei se você tem “caixa” para isso, mas eu responderia simplesmente:  “Então não faça, porque fazê-lo ou não está inteiramente em suas mãos!  O que não está em suas mãos é querer que eu não me aborreça com isso” (esse reconhecimento do DIREITO de ele agir como bem entender – aborreça-se você ou não com isso – tiraria dele a sensação de que é OBRIGADO a agir da forma que apraz a você, o que poderia levá-lo a agir mais da forma em que você gostaria que ele agisse).

Felipe: Eu trato bem quem me trata bem! Você nem me ouve quando eu estou falando do trabalho, eu tenho que pedir pelo amor de Deus pra você me ouvir 10 minutos!

Paula: Calma aí, como eu não te ouço? Todos os dias nós conversamos sobre o seu trabalho!

Eu:  Eu diria:  “Caramba!  Não sabia que você sente isso!  Minha impressão é a de que todo dia nós conversamos sobre seu trabalho!”

Felipe: Só que você nem dá bola!

Paula: Como eu não dou bola? Você está sendo injusto agora! Muito injusto! Eu sempre ouço o que você tem pra falar.

Eu: Eu diria:  “Caramba!  Estou de novo muito surpresa!  Você pode me mostrar, quando isso ocorrer de novo, o que faz você pensar que eu ‘não dou bola’?”

Felipe:  Você fica me interrompendo, não tem paciência pra me ouvir.

[Passaram-se mais 45 min..  Estou cansado, mas vou continuar porque o material deste e-mail já está quase no fim]

Paula: (depois de uma pausa): Eu ainda acho que você está sendo injusto, mas se você acha que eu te trato mal, que não te ouço, eu vou prestar mais atenção, estou disposta a mudar e a te tratar melhor.

Eu:  Não foi mal.  Mas, em vez de você propor que você mesma iria prestar atenção – o que é mais difícil – seria melhor você pedir que ele lhe apontasse esse seu comportamento – o que é mais fácil (“quem bate, esquece – ou não percebe – quem apanha lembra – ou sente na carne”), assim, simplesmente:  “Gostaria que você me apontasse quando eu novamente fizer isso.  Eu não percebo e gostaria de perceber.”

Paula (dirigindo-se a mim):  Ele não falou mais nada e acabou a conversa.

Eu:  A impressão que dá é a de que, nos diálogos de vocês, existe uma especial incapacidade de se PROCESSAR MÁGOA E RESSENTIMENTO. Vocês devem ter razões históricas para isso, razões pertencentes a uma época muito anterior a sequer se haverem conhecido. Se eu estiver correto e tivermos sucesso em patrocinar esse processamento, a tensão existente entre vocês vai se reduzir grandemente.  Se você achar adequado, pode mostrar este meu e-mail para ele e pedir seus comentários.

[Ela mostrou e ele achou que foi muito útil para reduzir a tensão entre eles]
 

*A Loganálise é um filhote da Psicanálise: pretende mostrar como o cidadão comum, em seu dia-a-dia, pode tirar proveito de conceitos como repressão, fixação, trauma e outros para promover sua própria saúde psicológica e a daqueles com quem se relaciona.

**NC – Abreviação de Nova Conversa, livro do autor baseado na loganálise.

***Diálogo microscópico: Um bom diálogo interpessoal – refiro-me, naturalmente, aos que dizem respeito a nossas relações íntimas e cotidianas, não a que tipifica uma aula de Matemática – é MICROSCÓPICO e, não, MACROSCÓPICO. Exemplifico:

Afirmação macroscópica: – Você NUNCA me amou!

Afirmação microscópica: – ONTEM, NA FESTA DE ANIVERSÁRIO DA ANA, eu me senti rejeitada quando você não me apresentou a seu chefe.