Não se deve dar castigos corporais às crianças – Parte II

por Luiz Alberto Py

Retomando a questão dos castigos corporais que abordei em meu artigo anterior (clique aqui e leia), gostaria de sublinhar que há mundialmente uma clara preocupação das autoridades no assunto no sentido de coibir o castigo corporal. Isso se deve ao fato de estar evidente, para todos os que investigam o assunto e se interessam por educação e bem-estar infantil, a inevitável perniciosidade dos castigos corporais.

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Note-se ainda que a legalidade e a aprovação social generalizadas dos castigos corporais aumentam acentuadamente a vulnerabilidade das crianças à exploração. O fato de os castigos corporais sobre as crianças serem legais, quando as leis em todos os países criminalizam até a menor violência contra os adultos, vem refletir e reforçar o estatuto inferior das crianças como seres menos que humanos – como objetos e possessões – precisamente o estatuto que permite que elas se transformem em mercadorias transacionáveis no comércio do sexo.

Portanto, a proibição dos castigos corporais sobre as crianças confere a essas, à luz do direito penal, uma proteção igual contra a violência, onde quer que as crianças se encontrem e quem quer que seja o perpetrador. Tais medidas fornecem uma proteção fundamental contra todas as formas de violência, e fazem valer o direito das crianças ao respeito total pela sua integridade física e dignidade humana. A proibição constitui um elemento essencial da estratégia de eliminação do abuso e da exploração sexual das crianças.

Não pode haver símbolo mais potente do estatuto inferior das crianças do que a aceitação legal continuada dos castigos corporais. A proibição dos castigos corporais constitui um passo gigantesco no sentido do reconhecimento das crianças como seres humanos e detentoras de direitos. A exploração sexual e outras formas de exploração das crianças resultam do fato de as crianças serem encaradas como objetos, como possessões com as quais os adultos podem fazer o que quiserem. A proibição dos castigos corporais – colocando as crianças em pé de igualdade face aos adultos no que diz respeito aos ataques à sua integridade física – elimina definitivamente o fundamento legal para esta visão.

Convenção sobre os Direitos da Criança

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Em Genebra, em 2001, foi lançada “A Iniciativa Global” que visa promover e apoiar a proibição de todos os castigos corporais e outros castigos cruéis e degradantes das crianças, no contexto da implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança. Os seus objetivos são apoiados pela UNICEF, UNESCO, organizações de direitos humanos e ONGs internacionais. A implementação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança – assim como outros tratados regionais e internacionais em matéria dos direitos humanos – exige a proibição de todos os castigos corporais sobre as crianças, incluindo em casa.

O Comitê dos Direitos da Criança já há muito tempo fez essa recomendação aos Estados Partes, tendo em Junho de 2006 consolidado a sua abordagem no Comentário Geral nº 8 sobre “O direito da criança à proteção contra os castigos corporais”. O Comitê afirma que a proibição e a eliminação dos castigos corporais constituem “uma estratégia-chave para reduzir e prevenir todas as formas de violência nas sociedades” (parágrafo 3). O preâmbulo do Protocolo Facultativo – relativo à venda de crianças, prostituição infantil e pornografia infantil – sublinha a importância de “uma abordagem integrada”, incluindo a “resolução dos fatores contributivos”. A legalidade e a aprovação social dos castigos violentos constituem um fator contributivo.

A tônica na prevenção expressa no Protocolo Facultativo (Artigo 9º) vem dar força ao apelo para que a proibição dos castigos corporais seja incluída nas estratégias para solucionar a exploração sexual. Esse aspecto também é sublinhado no relatório do Estudo sobre a Violência Contra as Crianças do Secretário-Geral da ONU, que recomendou a proibição de toda a violência contra as crianças, incluindo os castigos corporais, e definiu como data-objetivo o ano de 2009.

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A prática generalizada de magoar as crianças fisicamente em nome do castigo ou “disciplina” viola a sua integridade física e a sua dignidade humana, e torna “mais fáceis” e mais prováveis, outras invasões físicas ou sexuais. A legalidade do castigo violento enfraquece a contestação, fundamentada nos direitos, de toda a violência contra as crianças – incluindo o abuso e a exploração sexual.

Os castigos corporais, e a ameaça dos mesmos, podem ser utilizados para forçar crianças a terem relações sexuais dentro ou fora da família, assim como a outras formas de exploração sexual. Os castigos corporais dados pelos pais são frequentemente a razão pela qual as crianças fogem de casa, o que as torna mais vulneráveis à exploração na rua. Os castigos corporais são um meio habitual de controlar os trabalhadores infantis (incluindo os que trabalham no comércio do sexo). A experiência dos castigos corporais tem um impacto negativo no desenvolvimento emocional e interpessoal da criança e está associada, na idade adulta, a agressividade, saúde mental diminuída e, como já assinalamos acima, ao comportamento sexual de risco.

A implementação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança – assim como outros tratados regionais e internacionais em matéria dos direitos humanos – exige a proibição de todos os castigos corporais sobre as crianças, incluindo em casa. Este aspecto também é sublinhado no relatório do Estudo sobre a Violência Contra as Crianças do Secretário-Geral da ONU, que recomendou a proibição de toda a violência contra as crianças, incluindo os castigos corporais, e definiu como data objetivo o ano de 2009.

A ausência de tolerância zero relativamente à violência contra as crianças, na legislação e nas atitudes sociais, dificulta a prevenção de todas as formas de violência e exploração. As crianças sofrem frequentes vezes castigos corporais e abusos sexuais no seio da família. Um ambiente doméstico onde se desculpa um determinado grau ou tipo de violência contra as crianças é um ambiente onde os limites estão mal definidos e as crianças são vulneráveis. Alguns castigos corporais são de matiz sexual (por exemplo, dar palmadas diretamente nas nádegas nuas) e há muita pornografia infantil que mostra cenas de castigos físicos a crianças. Em resumo, o castigo corporal implica inevitavelmente em uma violência contra a pessoa que dele é vítima. No caso de crianças, o fato se torna agravado pelas inevitáveis consequências negativas que sempre ocorrem.