Existe um futuro para quem entra na velhice?

por Angelo Medina

A juventude não pertence só ao universo dos jovens. Viver com qualidade de vida a chamada Terceira Idade é um grande desafio. Nesta entrevista ao Vya Estelar a jornalista e escritora Lea Maria Aarão Reis ensina como se preparar para envelhecer e viver bem na velhice.

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Vya Estelar – Há um futuro para quem começa a experimentar a velhice?

Lea Maria Aarão Reis – Claro. Para todos que estão vivos. Para um moço o futuro pode ser de dois anos; para um velho, de dez. O problema é não ficar debruçado, projetado sobre o futuro. Caraminholando… Nem ficar preso ao passado. Viver o dia de hoje, o presente: é importante para todos, mas especialmente para os mais velhos.

Vya Estelar – Quando a pessoa deve começar a se preparar para envelhecer?

Lea Maria Aarão Reis – Uma geração atrás as pessoas não se preparavam para a velhice como hoje. No máximo, entravam no serviço público como garantia financeira. Hoje, há planos de previdência privada, poupanças, noção de se fazer um patrimônio, por menor que seja, para garantir uma velhice um pouco tranqüila.

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Existe a medicina preventiva. Atividades físicas e esportivas, monitoramento para acidentes cardio vasculares, controle nos casos de hipertensão na família e doenças hereditárias e etc.

Existem vitaminas, alimentação saudável, aprende-se técnicas para se defender do estresse, da depressão. Quando começar é que são elas. Cada um sabe quando.

Vya Estelar – Cada um envelhece como quer? Chegar bem na velhice seria muito mais uma questão mental e comportamental?

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Lea Maria Aarão Reis – Minha editora, quando comprou a idéia do livro Cada Um Envelhece Como quer, título que eu propus, não queria o parêntesis: (e como pode). Lutei para incluí-lo porque querer não é poder e sem o "pode" a idéia falsa de onipotência estaria presente.

Chegar bem na velhice é uma combinação das duas coisas: querer e poder. Não existe querer é poder, só nos livros de auto-ajuda, que não é o caso. Querer porque depende de disciplina, vontade, energia, aceitação, reflexão, espiritualidade. Poder porque depende de recursos financeiros nem sempre disponíveis. E sabemos que brasileiro (a) velho (a) e pobre é dramático.

Depende também da sorte (acaso? destino?), em parte: se não ficarmos inválidos, dependentes, e por aí vai. O querer é infinito. O poder nos dá limites e humanidade.

Vya Estelar – Qual é a maior dificuldade ou desafio que os idosos enfrentam em relação à velhice?

Lea Maria Aarão Reis – Para os homens, a depressão. Eles se aposentaram (aposentar: voltar para seus aposentos – esta é a origem da palavra) e não "têm o que fazer", porque perderam prestígio, poder e status financeiro-econômico. Porque não se sentem mais ativos sexualmente.

Para as mulheres, também depressão porque não são mais sedutoras para os homens, porque seu status econômico-financeiro, com a chegada da idade decaiu, porque são pressionadas a se manterem eternamente jovens (classes abastadas).

Em ambos os casos: são excluídos do mercado de trabalho e do mercado amoroso. Desafios gigantescos. Mas fascinantes.

Vya Estelar – Como seria o perfil do velho/jovem ou do velho saudável?

Lea Maria Aarão Reis – Ativo, produzindo, trabalhando até onde der. Fechando portas atrás de si e abrindo outras na sua frente. Tem que ser curioso. Se, até o fim, sentir curiosidade pela vida estará sempre bem. O problema é quando se perde essa curiosidade.

Vya Estelar – Você tem alguma informação de como é a vida sexual dos idosos, como eles lidam com a sexualidade, são ativos? Se é uma dificuldade para eles?

Lea Maria Aarão Reis – Fala-se muito, em pesquisas e estatísticas, que o idoso (a) é super ativo sexualmente, blá blá, blá… Não há registros confiáveis sobre o assunto. Claro que os mais velhos, entre cerca de 50 e 80, da geração que está envelhecendo agora e que é uma (agradável) novidade, são muito mais ativos que os mais velhos da primeira metade do século 20. Há viagra, há estímulos…

Mas, desconfio, pelas conversas e pesquisas empíricas que venho fazendo, que se fala mais do que se faz. Em todas as idades. O brasileiro (a) está muito estressado.

Vya Estelar – Uma questão muito recorrente em relação aos idosos é a questão de ver os amigos e parentes da mesma geração partirem. Como lidar com a questão da morte?

Lea Maria Aarão Reis – É complicado. As perdas e os lutos. É fácil a gente falar de perdas e ganhos. Mas existem as perdas irreversíveis. A perda de um companheiro, dos amigos de longa data, que são uma parte da nossa história, é completamente diversa da perda da juventude, por exemplo.

Baixa uma tristeza muito grande. Se conseguirmos aceitar, não ficar curtindo a perda, cultivando-a, se seguirmos em frente com a idéia de que envelhecer e morrer são coisas naturais (não são palavrões), digerimos melhor essas perdas e passamos a aceitar melhor a morte.

Falar abertamente de morte é indecoroso, numa civilização como a nossa, ocidental, em que todos querem se perpetuar jovens, bonitos e, se possível, ricos e famosos!

A questão da morte não é um baixo astral se aceitarmos que ela faz parte da vida. Como os orientais, com sua sabedoria (muito maior que a nossa) sabem bem, há milênios.

Vya Estelar – Uma questão polêmica inclusive sendo abordada na novela Mulheres Apaixonadas (Rede Globo), é a questão do idoso morar com os filhos. E aí mora com os filhos ou vai para um asilo? Como lidar com esta questão?

Lea Maria Aarão Reis – Há velhos que moram com a família por uma necessidade da família (filhos, netos, desempregados). Cada vez se torna mais comum os mais velhos sustentarem os mais jovens. Pagando estudos, aluguel, contas. Portanto, é inaceitável os moços tratarem mal aos velhos. Devia ser configurado como crime.

Nas classes mais pobres há muito mais solidariedade, neste sentido (e em todos os outros) do que entre os ricos. As pessoas envelhecem em contato com os mais moços e a vida segue assim, natural, como era antigamente.

Mas como velhice é palavrão, a pessoa começa a envelhecer e precisa "desaparecer", senão incomoda. Ela é um retrato do que "eu vou ser amanhã"! Mas… "eu não quero envelhecer nunca!"

Então, a questão é muito complicada. Não temos instituições decentes, nem públicas nem particulares, para receber os velhos. Só depósitos sinistros. E as famílias os rejeitam ou os recebem, muitas vezes, de má vontade como mostra a novela. Por isto repito: brasileiro velho e pobre é fogo!

Vya Estelar – Como está a qualidade de vida dos idosos no Brasil. Quais problemas o Brasil enfrenta em relação aos idosos?

Lea Maria Aarão Reis – Faltam políticas públicas. Investimentos. Atendimento diferenciado e prioritário na saúde pública.

Quem sabe, pensar que os planos de saúde dos mais jovens deveriam ser os mais caros e não os dos mais velhos, os que justamente mais precisam deles?

É uma visão pelo avesso. Não é capitalista. Não passa pelo comércio indecoroso dos planos de saúde. (Veja o lobby poderoso dessas empresas, agora mesmo, em Brasília, com a CPI em andamento). Reforma da previdência também é fundamental. E uma legislação severa, regulamentando a existência de asilos particulares.

Mas, com o aumento incessante e acelerado das populações ativas, com mais de 60 anos, e como elas serão, cada vez mais, uma força eleitoral forte, com certeza os idosos serão lembrados.

Vya Estelar – O preparador físico e mental Nuno Cobra defende a idéia de que enquanto se tem vitalidade e saúde deve se trabalhar. Como fica a questão profissional na vida dos idosos? A aposentadoria, o chinelo e o pijama seriam nefastos?

Lea Maria Aarão Reis – O pijama e o chinelo são a roupa da antecâmara da morte. Hoje, por necessidade econômica, os aposentados continuam trabalhando para sobreviver com um mínimo de dignidade.

Hoje, por ideologia, muitos dentre os mais velhos continuam trabalhando, produzindo e… vivos.

Nada contra quem pára de produzir e vai "curtir a vida". São pessoas abastadas (minorias) ou pessoas que não curtiam o que faziam. Passaram a vida trabalhando e sem curtir nada: nem a vida nem o trabalho…

Vya Estelar – Outro problema é a solidão, perda do cônjuge, amigos, parentes, irmãos… Como lidar com esta difícil situação?

Lea Maria Aarão Reis – Falei sobre isto acima, em perdas e lutos. A solidão: há a boa, a quente, a aconchegante e a solidão ruim, fria, sombria. A solidão negativa ameaça, sim, os mais velhos. Por isto, o convívio é tão importante na velhice. Freqüentar amigos, participar de algum tipo de agrupamento, cultivar relacionamentos.

Vya Estelar – Os planos de saúde no Brasil, quanto mais alta a faixa etária mais cara a mensalidade. O SUS é ineficiente. O idoso teria alguma alternativa diante de uma situação tão grave?

Lea Maria Aarão Reis – O idoso não tem saída, como as coisas estão postas, hoje. E é dever do Estado prover o bem-estar dos seus cidadãos vulneráveis, dos mais frágeis: as crianças e os idosos.

Se o Estado falha há que pressioná-lo e cobrá-lo, através de instituições de classe, de entidades, de grupamentos, manifestações, lobbies.

Mas, aqui, no Brasil, é difícil. A passividade ainda é grande. Na Europa afora ocorreram manifestações gigantescas questionando reformas na previdência, por exemplo. Aqui, vejo os que se sentem atingidos por ela se queixando, mas fica só na queixa, na lamúria e na fofoca.

Vya Estelar – A velhice seria um estado mental? Como ter uma boa auto-estima e superar o preconceito existente na sociedade ocidental?

Lea Maria Aarão Reis – Conservar a auto-estima na meia-idade e na velhice é uma luta de resistência. Não vamos entrar nas armadilhas e sucumbir à pressão da idéia de que temos de ser belos e jovens eternamente.

E vamos forçar as portas do mercado de trabalho, insistir, chatear, mostrando que temos experiência e que somos bons profissionais.

Mas a velhice pode sim, ser um estado mental. Há moços velhíssimos. Conservadores, com medo das novidades, reacionários. E velhos inovadores, abertos, que vão morrer experimentando.

A mulher invisível

Vya Estelar – É lógico que a velhice também deve ter seu lado bom, suas vantagens… Quais seriam?

Lea Maria Aarão Reis – Uma grande vantagem para as mulheres é que elas passam a ser "invisíveis". Não atraem mais os olhares masculinos. Então, vamos à liberdade! Podemos fazer (quase) tudo que sempre quisemos fazer, na juventude, e não tínhamos coragem.

E como vantagens para todos, mulheres e homens: "desacelerando", (mesmo continuando a trabalhar, a produzir) temos mais tempo para observar, pensar, refletir e admirar um mundo que, afinal, não é só feio, absurdo e cão. A velhice é o tempo do espírito.

Vya Estelar – Principalmente o que a senhora recomenda para se viver bem na velhice?

Lea Maria Aarão Reis – Mais ou menos já está respondido. Mas produzir qualquer coisa é uma das garantias de uma velhice razoavelmente bem plantada. Se é que podemos ter alguma garantia nesta vida.