Como funciona o cérebro do adolescente

por Angelo Medina


Suzana Herculano: 'A adolescência é uma fase de aprendizado intenso, onde – ainda bem – o adolescente tem direito a vários erros no caminho'

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Nesta entrevista ao Vya Estelar, neurocientista Suzana Herculano-Houzel, com pós-doutorado em Paris e Alemanha, diz como as transformações no cérebro repercutem no comportamento do adolescente. Recentemente, ela decidiu deixar o Brasil e ir para os Estados Unidos, por impossibilidade de fazer pesquisas por aqui, devido à falta de verba. Ela chegou inclusive a tirar dinheiro do próprio bolso, para custear despesas do laboratório onde atuava na Universidade Federal do Rio de Janeiro.   

Suzana explica por que o adolescente tem o direito de errar e responde uma série de questões sobre seu comportamento como: por que se trancam no quarto, se apaixonam loucamente, gostam de adrenalina, adoram quebrar regras, querem distância dos pais, se esquecem de ligar para casa, sentem tédio e por que é tão bom ser adolescente.

Ela se especializou em estudar o cérebro e é autora dos seguintes livros sobre o assunto: O Cérebro em Transformação, O Cérebro Nosso de Cada Dia e Sexo, Drogas, Rock'n'Roll & Chocolate.

Vya Estelar – O que acontece no cérebro quando entramos na adolescência?

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Suzana Herculano – Uma imensa reorganização que começa com uma fase de produção de matéria-prima, ou seja, mais conexões entre os neurônios, seguida da eliminação das conexões que não servem. Essa é a base do aprendizado intenso que ocorre ao longo de toda a adolescência.

As grandes mudanças específicas são as seguintes:

– O sistema de recompensa, que nos faz sentir prazer e querer mais do que é bom, passa por grandes mudanças logo no começo da adolescência que provavelmente causam os sinais mais característicos da nova fase: o tédio, o gosto por riscos, a busca de novidades.
– O córtex pré-frontal amadurece durante a adolescência e passa a permitir o raciocínio abstrato, melhora a memória e a concentração, e começa a permitir o controle de impulsos (aquele de contar até dez antes de xingar a mãe…)
– O córtex órbito-frontal somente amadurece no final da adolescência e possivelmente permite, só então, o raciocínio conseqüente, ou seja, o comportamento responsável, que leva em consideração as conseqüências possíveis dos próprios atos antes da ação. Até então, adolescentes não sabem pensar sozinhos nas possíveis conseqüências ruins dos seus atos.
– O circuito social somente amadurece no final da adolescência, quando permite que o adolescente se torne uma pessoa sociável, empática, solidária, capaz de se colocar no lugar dos outros e usar esta informação na hora de agir.

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Vya Estelar – Cérebro de garotos e garotas funcionam de modo diferente nesta fase?

Suzana Herculano – As mudanças costumam começar primeiro nas meninas. Ou seja, elas começam a fase de transformação cerebral antes deles, e passam a adolescência inteira mais ou menos 'na frente' deles.

Vya Estelar – De que forma isto se repercute no cotidiano ou no comportamento dos jovens?

Suzana Herculano – A conseqüência da diferença no tempo da adolescência entre meninos e meninas é conhecida: meninas de 14 anos podem ser moças bastante maduras, enquanto meninos de 14 anos são… ahn… meninos de 14 anos.

Vya Estelar – A partir do funcionamento do cérebro, que dicas de autoconhecimento a senhora daria para que garotos e garotas levem esta fase da vida com mais tranqüilidade?

Suzana Herculano – Conhecer e aceitar seus limites é fundamental, e é um autoconhecimento que a neurociência hoje traz para o adolescente. É importante saber que precisamos de estímulos novos; que o cérebro se torna capaz de encontrar esses estímulos na literatura, no cinema, na música, no esporte, nas amizades; que usar drogas na adolescência é uma péssima idéia, porque o sistema sobre o qual elas agem está em uma fase crítica de sua formação; que somos impulsivos na adolescência e isso nem sempre é bom; que ainda não somos capazes de encontrar sozinhos todos os fatores, ou ao menos os mais importantes, a pesar na hora de tomar decisões, simplesmente porque a parte necessária do cérebro ainda não está pronta; que, mesmo assim, precisamos tomar nossas próprias decisões, porque é só assim que se aprende. Os pais e outros adultos confiáveis são ótimos consultores nessas horas, porque seu cérebro já aprendeu a enxergar todas as conseqüências possíveis dos nossos atos; que a adolescência é uma fase de aprendizado intenso, onde – ainda bem – o adolescente tem direito a vários erros no caminho.

Vya Estelar – Em quais pontos esse cérebro em transformação ajuda e prejudica os jovens?

Suzana Herculano – O interesse recém-descoberto pelo sexo aliado à impulsividade e à incapacidade de antecipar as conseqüências dos próprios atos é uma das misturas mais potencialmente explosivas da adolescência, e é tudo fruto das transformações no cérebro. Mas essas transformações também trazem coisas ótimas: raciocínio abstrato, raciocínio lógico aguçado, grande capacidade de concentração e aprendizado, idealismo, sede de novidades, disposição para correr riscos, vontade de realização e relacionamentos sociais cada vez mais bem sintonizados.

Vya Estelar – Uma série de questões merecem uma breve reposta. Gostaria que a senhora por gentileza as respondesse.

Por que os adolescentes

Se trancam no quarto

Há uma mistura de desinteresse pelo familiar/procura do novo que faz com que o adolescente se afaste do ambiente e das pessoas familiares. Uma maneira de fazer isso é sair de casa; se isso não é uma alternativa, resta passar o máximo de tempo possível fora de casa, e o resto do tempo… trancado no quarto, onde ele pode se cercar das novidades do seu mundo novo.

Se apaixonam loucamente

Sexo – e isso inclui beijos e carícias – é uma das melhores maneiras de ativar o sistema de recompensa que entra em baixa no começo da adolescência. Some-se a isso a impulsividade e a falta de discernimento do 'circuito social' do cérebro sobre quem é ou não é um(a) bom(a) candidato(a) a parceiro(a), e tem-se… paixões e mais paixões, todas intensas, muitas pouco duradouras.

Gostam de adrenalina – velocidade, rock pesado, raves, esportes radicais

Mais uma vez, a 'culpa' é do sistema de recompensa em baixa, necessitado de estímulos novos e fortes. Novidades, barulho intenso grave, e o estresse voluntário de esportes radicais são ótimas maneiras – embora não exatamente seguras – de dar a estimulação necessária ao sistema. Há alternativas menos arriscadas: academias, esportes menos radicais e estímulos intelectuais como música, cinema e literatura.

Adoram quebrar regras

O cérebro adolescente está aprendendo a tomar decisões, e isso envolve saber até onde é possível empurrar limites e ignorar regras. Isso é particularmente importante quando se lembra que várias regras da infância eram arbitrárias, estipuladas pelos pais segundo seus valores particulares. O adolescente está descobrindo seus próprios valores para tomar decisões, então quebrar regras é uma maneira de saber se aquilo é realmente uma regra sensata, ou apenas uma arbitrariedade ignorável.

Querem distância dos pais

Além de serem parte do 'mundo velho' da infância que perde a capacidade de ativar o sistema de recompensa, pais geralmente cometem o erro de querer continuar a tomar todas as decisões pelos filhos adolescentes. A distância dos pais pode ser apenas um efeito colateral da necessidade do novo (novos ambientes, novas amizades, novas atividades), combinada ou não a uma necessidade de espaço para aprender a tomar decisões.

Se esquecem de ligar para casa

Memória ainda em desenvolvimento + festa animadérrima + cérebro ainda incapaz de pensar que os pais devem estar morrendo de preocupação em casa: não pode dar em outra, não é? Mas o celular resolveu esse problema da minha geração: os jovens agora devem estar permanentemente acessíveis ao celular…

Sentem tédio

Culpa do sistema de recompensa que sofre uma perda da sua capacidade de ativação logo no comecinho da adolescência. Por conta disso, tudo o que antes era bom (porque ativava o sistema de recompensa) deixa de ser, e é preciso encontrar coisas novas para despertar o interesse do adolescente. O que é ótimo, porque é assim que se larga o mundo da infância para se descobrir um interesse pelo mundo adulto.

E por que é tão bom ser adolescente?

Por causa das transformações no cérebro, adolescentes vivem graaaaandes paixões. Eles entendem melhor e mais rápido do que os pais como usar equipamentos novos, em parte pelo prazer de usar suas recém-descobertas habilidades de raciocínio lógico e intelectuais. É uma fase de grandes descobertas literárias, musicais, políticas e intelectuais de uma maneira geral, quando estantes e mentes começam a se encher de novas idéias. O fascínio recém-descoberto pelo abstrato leva o jovem não só a descobrir filosofias, como também a criar a sua própria. E aqui os adolescentes levam uma enorme vantagem sobre adultos: livres ainda de grandes responsabilidades sobre os ombros, eles têm tempo só para curtir isso tudo. O ajuste aos novos prazeres e a aquisição de controle sobre os impulsos fazem com que a impaciência da infância vá dando lugar à habilidade de se esperar pelo que se quer, até que um dia a expectativa da festa passa, de sofrida, a ser no mínimo tão curtida quanto a própria festa. Ao mesmo tempo, a empatia adquirida com o amadurecimento da porção pré-frontal do cérebro faz o adolescente descobrir uma 'sintonia' com os amigos até então inusitada. É o começo da identificação com o outro, chave de bons relacionamentos e da vida em sociedade de uma forma geral.

Vya Estelar – O trinômio sexo, drogas e rock and roll é conhecido há quase quatro décadas. A senhora lançou um livro agregando o chocolate a este trinômio. Por quê?

Suzana Herculano – São os símbolos mais óbvios do prazer. Meu segundo livro 'Sexo, Drogas, Rock'n'Roll & Chocolate' é sobre todo o cérebro e os prazeres da vida cotidiana. Fica faltando o dinheiro como outro grande ícone do prazer, mas o tema também está incluído no livro.

Vya Estelar – Por ser um trinômio tão antigo não têm muitos cinqüentões e quarentões ligados nessas ondas. O que muda na relação com este trinômio dos mais maduros em relação aos adolescentes? Ou esses senhores estariam tendo um comportamento 'adolescentóide'?

Suzana Herculano – A adolescência é um período de descoberta de novos prazeres, e o trinômio sexo, drogas e rock and roll os ilustra bem. Nossa relação com esses e outros prazeres se torna mais tranqüila e menos impulsiva/compulsiva à medida que o cérebro amadurece e sai da adolescência. Mas esses continuam a ser prazeres pelo resto da vida, mais ou menos importantes para cada indivíduo.