Esporte de alto nível pode ser prejudicial à saúde

por Nicole Witek


Perda de figura: quando no meio de um salto o ginasta não sabe mais se posicionar e nem sabe onde está

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Orelhas desformadas do jogador de rúgbi, períneo machucado do ciclista, lesões traumato-ortopédicas e alterações posturais, síndrome da mão gelada do jogador de vôlei, perda de figura dos ginastas … intuitivamente o sabemos, o esporte de alto nível não é bom para a saúde!

A “síndrome da mão gelada”, por exemplo, atinge principalmente o jogador de vôlei. A origem é causada pelos microtraumas repetidos sobre a mão que machucam as pequenas ligações entre as artérias. A artéria cubital que vai até a palma da mão, para de irrigá-la. Aos poucos o sangue não circula mais. Uma sensação de frio se instala, o dedo torna-se branco ou azul. O que dói muito!

Existe outro tipo de síndrome quando o “músculo sufoca”. Essa situação atinge principalmente os maratonistas. Essas dores têm como origem um tipo de conflito entre o músculo, cujo volume aumenta de 20 a 30% durante o período de esforço, e a aponeurose, a membrana que contém o músculo. Essa membrana tem um limite de estiramento. Quando ela não se adapta ou não pode mais se adaptar, a dor se instala: Segundo médico *Dr. Yves Demarais, “A pressão aumenta, os vasos e nervos são comprimidos, o músculo não é mais vascularizado. Pode instalar-se uma necrose em algumas horas”. Ele acrescenta: “Sem cirurgia, o músculo morre. Essa situação torna-se uma emergência cirúrgica”.

Um maratonista mal preparado pode, infelizmente, sofrer dessa síndrome. Ainda mais, não precisa ser um atleta de alto nível: quem não pratica de maneira cotidiana pode também ter esse problema. Basta um esforço inabitual durante o qual a membrana não tenha tempo de esticar e afrouxar.

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Existe uma solução: “Programar um treino progressivo para testar a membrana", diz o Dr. Demarais. Se não der, após uma cirurgia o atleta poderá voltar à competição”.

Porém hoje, além do físico que está em pane existe outro tipo de síndrome que faz com que o atleta deva reconsiderar sua atividade esportiva.

A ** perda de figura do ginasta: de repente no meio de um salto, de uma acrobacia, ele não sabe mais se posicionar, nem sabe onde está. O que ele sabia perfeitamente executar fica totalmente esquecido. “Deu branco total”. As sensações que o ajudavam saber onde estava no espaço estão aniquiladas. Isso gera um medo de cair, de se machucar, que pode ser um episódio temporário ou que o afaste do mundo da competição, definitivamente. O trauma “físico” passou a ser um trauma “psíquico”.

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Ainda não se sabe bem a origem desses traumas, porém numerosos atletas viveram essa situação durante suas carreiras.

Parece que a exposição permanente aos riscos perturba a motricidade do esportista. Gradativamente, o atleta perde as sensações ou a confiança.

Sabemos que o esporte de alto nível é praticado de maneira tão intensa que gera seus próprios distúrbios. Aos poucos a medicina pesquisa esses novos casos.

De onde vem esse distúrbio?

Para o especialista em perda de figura Claude Berthelot, a hipótese mais provável é de ordem psicoinformacional. Um estado de fadiga, uma falta de concentração, uma perturbação psicológica conduz ao erro técnico, o que por sua vez leva a perda de figura executada pelo ginasta.

Cada caso é diferente. Para alguns atletas a cura é rápida. Para outros, essa perda de figura pode dar um fim a carreira.

Qual o papel do yoga nessas situações?

Tratando-se de perturbações traumato-ortopédicas, o yoga é um ótimo aliado para a conscientização do alinhamento perfeito de cada parte do corpo e para permitir um funcionamento fisiológico adequado.

Ainda mais, a concentração mental aguçada permite “animar” ou “dar vida” a porção do corpo em sofrimento. Lembro o leitor que da mesma forma que o cérebro pode criar conexões novas quando necessário***, o corpo é capaz de gerar novas ligações nervosas ou circulatórias. Com paciência e confiança, essa concentração mental multiplicará as forças de cura que são embutidas em cada célula.

O despertar da consciência corporal ajuda nas percepções dos limites e evita ultrapassar seu potencial de esforço.

Enquanto a fadiga, que na maioria dos casos, leva às lesões musculares, o yoga é fantástico para promover um relaxamento propício à cura. O relaxamento consciente e desejado vai além do puro descanso. Trata-se de um momento exclusivo onde o corpo não está mais perturbado com os pensamentos e nem com as emoções que abalam o psíquico. O psíquico não pode ser desvinculado do físico. Essa afirmação tem muito mais valor quando se trata de atletas de competição. Devido à enorme pressão, o atleta deseja voltar imediatamente ao palco esportista.

Fora os problemas fisiológicos devido ao excesso de treino, devemos apontar o fato de que temos uma representação mais ou menos consciente de nosso próprio corpo sendo uma entidade estática e dinâmica ao mesmo tempo: a posição no espaço, a posição de cada segmento do corpo com relação ao outro, os movimentos e o contato com o mundo ao redor.

É fácil imaginar que ao praticar várias atividades acrobáticas, o corpo possa perder essas referências que dependem da integração do sistema nervoso autônomo com todas as partes do corpo.

Nas situações de dores físicas ou psíquicas, ou em caso de reeducação do sistema nervoso após um episódio de sofrimento físico ou psicológico, o yoga é um aliado eficaz já que as técnicas integram todas as funções fisiológicas, como as funções mentais e psíquicas.

O yoga ajuda na estruturação do campo corporal tridimensional (físico, mental e psíquico) e na representação do mundo ao redor. Essa fronteira se tornará mais precisa. A experimentação das relações do corpo com o mundo é geralmente restrita a um corpo:

– em situação vertical, quando ereto e em pé;
– dobrado, quando sentado ou de joelho;
– ou deitado.

As posturas de yoga variam e introduzem novidades, como por exemplo:

– verticalidade com a cabeça para baixo nas posturas invertidas;
– posturas eretas precisamente com a vontade de escapar da força da gravidade;
– posições novas que permitem dobrar o corpo de maneira diferente;
– posturas deitadas.

Todas essas “novidades” para o corpo ajudarão a encontrar novamente “o lugar apropriado no espaço”. Novos relacionamentos com o mundo e o corpo serão inconscientemente memorizados e integrados aos outros já formados na consciência. Por terem sido aprendidos conscientemente, esses novos dados serão mais facilmente integrados em relação aos antigos, puxando o corpo até os limites possíveis e antes que a dor se manifeste.

A mudança de perspectiva será como nova. Assim, gradativamente, o atleta voltará a confiar nas possibilidades de seu corpo.

Parece que o yoga, por essência, está longe do meio ou ambiente do atleta.

Duas regras principais do yoga são:

– a busca da não competitividade, inclusive consigo mesmo;
– o respeito de seus limites.

O esporte de alto nível não é bom para a saúde. Porém, já que se trata de socorrer e buscar o caminho próprio a cada um, o yoga talvez permita uma cura rápida ou… propiciará uma revolução total, mostrando caminhos diferentes mais afastados do desempenho corporal e mais perto do caminho da alma…

Quem sabe, não é?

* Dr. Yves Demarais, chefe do centro de saude da Insep (institut national du sport, de l' expertise et de la performance na Franca, seja instituto nacional do esporte, da expertise e do desempenho.

** A ginasta de repente perde a noção do seu corpo em relação ao espaco e não lembra mais como executar o exercicio, a visão de repente fica embaçada, e é como se desse um "branco"

*** http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2011/12/psicoterapia_e.html

Crédito Imagem: Pitta GBB, Castro AA, Burihan E, editores. Angiologia e cirurgia vascular: guia ilustrado.
Maceió: UNCISAL/ECMAL & LAVA; 2003. Disponível em: URL: http://www.lava.med.br/livro