Cérebro tem dificuldade de distinguir gatilhos reais e imaginários causadores de medo

por Ceres Alves Araujo

Em todos os tempos e lugares, o ser humano se apega, foge, reza, nega, se curva, exorciza entidades como deuses, demônios, anjos, espíritos, fantasmas, fadas, vampiros etc.

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Ainda que irracional, ilógica, sem muita evidência física, desde o início da humanidade, existe a crença no poder dessas entidades. Gasta-se muita energia pensando-se sobre elas. São motivos de temor ou de busca de proteção.

No nivel neurobiológico, o ser humano compartilha uma tremenda herança emocional com os animais, particularmente com os mamíferos, incluindo os circuitos neurobiológicos para o medo. Desde o nascimento, a possibilidade de sentir medo é construída no cérebro. Inicialmente ela pode ser ativada por poucos estímulos não condicionados, mas as experiências de vida vão criando memórias de medo que, posteriormente, passam a ser disparadas em situações de alguma forma parecidas.

Nossos ancestrais sobreviveram nas savanas por milhões de anos porque o cérebro primitivo se desenvolveu para reagir instantâneamente à ameaça e ao perigo. Assim, o cérebro tem a tendência a reforçar mais as memórias baseadas nas emoções primitivas de medo, por questão de sobrevivência.

A evolução criou a capacidade no cérebro de sentir medo, mas não informou sobre as coisas que dão medo e que devem ser evitadas. Elas têm que ser aprendidas, pelos animais e pelo homem. Jaak Panksepp, pesquisador sobre a arqueologia da mente, mostra que os humanos podem aprender a ter medo de muitas coisas, do presente, do passado e do futuro, muito mais que um ratinho. Dotado do cérebro mais evoluido, o ser humano pode criar medos e construir fantasias assustadoras na sua mente.

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Alguns estímulos que eliciam medo inato existem para todas as espécies de mamíferos. Muitos animais ficam com medo quando escutam barulhos altos e repentinos. Bebês experimentam medo quando não se sentem bem seguros no colo e, mais tarde, muitos tendem a chorar quando deixados sozinhos no escuro.

O medo do escuro é disseminado ao longo da vida, mais fortemente na infância. É frequente encontrar crianças que se mostram muito corajosas durante o dia, mas manifestam medo ao anoitecer. Crianças podem não ter apresentado medo de escuro nos primeiros anos e depois, um pouco mais velhas, chegarem a viver pânico frente à antecipação de ter a luz apagada.

Os primeiros condicionamentos influenciam a força dessa tendência primitiva ao medo. Cabe aos pais garantir proteção e segurança a seu bebê, contendo sua angústia e apaziguando-o frente aos temores.

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Se desde cedo a criança foi ajudada a enfrentar o medo e os sentimentos negativos decorrentes, ela saberá responder às ameaças futuras com mais tranquilidade. Mas, se os condicionamentos iniciais apenas reforçaram esse medo atávico, a criança crescerá vulnerável à experiência de terror.

Os medos variam com a idade, mas em cada faixa etária, muitos são semelhantes em conteúdo, sendo também determinados pelas circunstâncias da época. Existem pontos no processo do desenvolvimento onde crises de medo eclodem.

Na passagem da primeira para a segunda infância, ao redor dos 5, 6 anos de vida, pode surgir o temor pelo afastamento da mãe, expresso pelo medo de bruxas, de ser roubado da mãe, de ser esquecido na escola. Com a aproximação da adolescência, com a necessidade de maior autonomia, aparecem os medos de espíritos, fantasmas, vampiros ao lado do medo da perda dos pais, por separação, por doença, por acidente ou por morte, sendo que esses últimos não são nem narrados, por receio que ocasionem o evento.

Da adolescência em diante, os medos se dirigem mais a fatores predominantemente concretos e menos fictícios. Tem-se medo da morte, isto é, de que algo aconteça de ruim que traga doença, sofrimento e morte.

Se, no início da vida, o medo tem causas mais insubstânciais, os fatores de proteção são concretos, pois os pais e os cuidadores são quem podem garantir segurança à criança. Com o crescimento, há uma inversão, os fatores que causam medo passam a ser mais concretos e os fatores de proteção mais abstratos. A busca da proteção de Deus, do Anjo da Guarda, dos santos, das orações, dos amuletos pode trazer apaziguamento.

Os sistemas do medo ligados à sobrevivência foram designados para antecipar e prevenir acontecimentos ruins no futuro, mas eles se tornam muito ativos em várias situações na vida. Deve-se aprender a conviver com o medo, para que se tenha recursos para controlá-lo e não deixar que o medo nos controle na vida.