Fibromialgia: complexidade de diagnóstico e terapêutica

por Joel Rennó Jr.

Durante o Congresso da Associação Psiquiátrica Americana (APA), que está sendo realizado em Washington DC-EUA, tenho assistido a um enorme aumento do interesse da psiquiatria mundial em estudos clínicos e básicos envolvendo a fibromialgia.

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Como especialista em saúde mental da mulher, recebo muitas mulheres que também sofrem de fibromialgia.

Muitos médicos fazem o diagnóstico de fibromialgia apenas após a exclusão de outras causas possíveis.

Segundo o Dr I. Jon Russel, que é Professor Associado de Medicina e diretor do Centro de Pesquisa Clínica da Universidade do Texas, EUA, tal conceito precisa ser revisto. Ele na atualidade é uma das maiores autoridades mundiais no assunto.

A história da fibromialgia começou em 1907, com o conceito de Fibrosite de Gower, evoluindo até o conceito atual, realizado por Yunus, 1980. A fibromialgia atinge entre 2% a 4% da população.

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O que é fibromialgia: sinais – sintomas

Os critérios do Colégio Americano de Reumatologia envolvem, basicamente, o conceito de uma dor crônica generalizada, cefaléias severas, fadiga e dor cervical (entre outros) – além de sensibilidade ao toque digital em pelo menos 11 de 18 pontos de tendões ao longo do corpo. Fatores psicológicos e comportamentais estão sempre presentes, a ponto do Dr Russel questionar se realmente a fibromialgia deve permanecer no campo da reumatologia. Parece muito mais um assunto para a neuropsiquiatria, segundo ele.

Por que é dificil diagnosticar a fibromialgia?

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A dificuldade do diagnóstico decorre do fato que a fibromialgia tem pontos em comum com várias Síndromes, como as Síndromes de Dores Regionais (cefaléia tensional, dor lombar idiopática), Síndrome da Fadiga Crônica (1% da população e 4-8 critérios menores), além dos Transtornos Somatoformes que atingem 4% da população e é caracterizado por sintomas múltiplos inexplicáveis, sem achados orgânicos.

Outro aspecto também igualmente comum é a associação com transtornos de humor, Síndrome do Intestino Irritável, enxaquecas, entre outros.

Agentes estressores funcionam como gatilho no desencadeamento da fibromialgia

Nos pacientes com fibromialgia parece haver uma alteração na sensibilidade à dor – na forma como nosso cérebro processa a dor e outros estímulos sensoriais -, determinada geneticamente e com influência ambiental – a hiperexcitabilidade no processamento da dor. Estressores funcionam como “gatilhos” no desencadeamento da fibromialgia. Entre os estressores temos as infecções, os traumas físicos, o estresse, alterações hormonais (hipotireoidismo), drogas, vacinas – além de eventos catastróficos como violências de diversas ordens.

Exames modernos de ressonância magnética funcional, que medem a atividade cerebral, detectam aumentos significativos no processamento da dor que também são vistos na dor lombar idiopática (sem causa específica definida).

Fibromialgia parace ser uma doença do Sistema Nervoso Central

Na atualidade, a fibromialgia parece ser primariamente uma doença do sistema nervoso central (SNC), onde há fatores que exercem grande função na expressão ou sensibilidade à dor. Há deficiência nas atividades dos sistemas que regulam os neurotransmissores (substâncias que regulam a comunicação entre os neurônios) serotonina e norepinefrina – além de excesso de neurotransmissores denominados excitatórios do SNC. Múltiplos genes estão envolvidos nessas predisposições citadas, conhecido como polimorfismo genético.

A forma como uma pessoa pensa ou reflete a respeito da sua dor também interfere. Os níveis da dor generalizada são bem maiores nas pessoas com cognições (pensamentos) negativos ou catastróficos. Subgrupos de pacientes com fibromialgia necessitam de diferentes tratamentos. Medicamentos que aumentam os níveis de serotonina e norepinefrina ou diminuem os neurotransmissores excitatórios são eficazes em alguns pacientes – por isso o uso de antidepressivos como duloxetina e milnaciprano, além de novas opções.

Atividades complementares auxiliam no tratamento

Atividades físicas orientadas e moderadas, higiene do sono e outras intervenções comportamentais também auxiliam muito. Terapias cognitivo-comportamentais têm um substrato biológico e são, comprovadamente, eficazes na fibromialgia.

Muitos pacientes com fibromialgia podem fazer uso abusivo de analgésicos, antiinflamatórios e opióides, com autoprescrição perigosa, o que envolve riscos até de dependência.

No APA, lançou-se mão de uma nova opção terapêutica para a fibromialgia – a pregabalina. Tal medicamento que ainda é inexistente no Brasil leva à diminuição da liberação de neurotransmissores excitatórios (glutamato, substância P e norepinefrina). Acredita-se que funciona no SNC através da redução da percepção da dor. Porém, embora seja mais uma opção terapêutica importante, deve-se deixar claro que não deve, jamais, ser encarado como um “milagre”, tendo importância aumentada quando é associado a outros tratamentos complementares como psicoterapia cognitivo-comportamental e exercícios físicos.

Alguns centros especializados também têm lançado mão da Estimulação Magnética Transcraniana Repetitiva (EMTr) e têm conseguido oferecer uma melhor qualidade de vida a tais pacientes. Há também evidências científicas, em determinados subgrupos de pacientes, da eficácia da ioga e tai chi chuan.

Portanto, o tratamento ideal da fibromialgia envolve diferentes aspectos e individualização por subgrupos. A presença de uma equipe de psiquiatras e psicólogos, em conjunto com reumatologistas, é de extrema importância, já que é uma doença de base essencialmente neuropsiquiátrica – que os estudos atuais evidenciam.