O que acha de si mesmo?

por Monica Aiub

O segundo tópico da Estrutura de Pensamento (clique aqui) chama-se O que acha de si mesmo. Neste tópico, observamos, como diz o nome, o que a pessoa acha a respeito de si mesma. Perceba que isso não significa o que a pessoa é, o que outros pensam a seu respeito, mas como vê a si mesma.

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É comum, no discurso contemporâneo, a ênfase ao autoconhecimento: conhecer a si mesmo é fundamental para que a pessoa possa se situar no mundo, saber quem é é de extrema importância para atingir a felicidade, e outras afirmações similares.

Contudo, muitas vezes nos deparamos com pessoas que não conseguem olhar para si mesmas, pessoas para as quais conhecer-se gera muito sofrimento. Com isso afirmo que, em filosofia clínica, verificaremos se o tópico tem peso, se é ou não determinante para a pessoa. Para alguns, trata-se de um tópico sem importância, para outros é um tópico fundamental.

Partamos do “conhece-te a ti mesmo” socrático-platônico. Conhecer a si mesmo, para Platão, significava conhecer seus processos de pensamento, buscando, dentro de si, os melhores caminhos para orientar a vida, tanto a vida pública, quanto a vida pessoal. Se recortarmos somente este aspecto, esta ideia, e a considerarmos isoladamente, correremos o risco de uma interpretação totalmente equivocada.

Muitos confundem a frase “conhece-te a ti mesmo” com a ideia de um autoconhecimento no sentido em que propagamos atualmente: conhecer seu íntimo, sua subjetividade. No pensamento platônico, não se trata disso, pois o conhecimento existente em cada um de nós é o mesmo. Observe: o conhecimento existente dentro de mim é o mesmo que existe dentro de você. A consequência disto é que, se trilharmos o caminho correto nesta busca, encontraremos as mesmas respostas.

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Isso só é possível quando consideramos a universalidade da verdade e das formas de ser do ser humano. A singularidade manifesta o sensível, o aparente. A profundidade de buscar em si o verdadeiro conhecimento nos leva a encontrar o caminho do bem.

Poderíamos, ainda, interpretar mal esse discurso, considerando Platão como um dogmático que propõe ter a posse da verdade. Isto está muito longe da proposta platônica. Apesar de termos em nós todo o conhecimento que necessitamos, não há como nos certificarmos de tê-lo atingido. Ficamos sempre na dependência do outro que nos provoca com seus questionamentos, com seu modo de ser diferente do nosso, e nos leva a re-pensar nossas conclusões, nossas formas de organização e de vida.

Não se trata de aceitar cegamente as provocações alheias, nem se trata de ser absorvido pelas ideias do outro. Trata-se, menos ainda, de impor ao outro um modo de ser. Sua proposta é um constante diálogo, através do qual temos a oportunidade de refletir acerca de nossos pensamentos, sentimentos, decisões, ações e posicionamentos.

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Espelho, espelho meu…

Você costuma se olhar no espelho? Já percebeu algo diferente ao fazer isso? E se o seu espelho for o outro? Você já percebeu algo diferente em si mesmo porque o outro direcionou seu olhar? Por que o outro lhe questionou acerca de algo? Por que o outro, simplesmente por ser diferente de você, lhe colocou diante de algo acerca do que jamais pensou?

Platão, ao apresentar a necessidade do outro para que possamos nos conhecer, mostra a possibilidade de erro quando tentamos trilhar o caminho do conhecimento sozinhos. Podemos, de fato, nos enganar, inclusive sobre nós mesmos. Mas quais os critérios que utilizamos para formar uma concepção sobre nós mesmos?

Há pessoas que, diante de si mesmas, veem um ser frágil, incapaz de se posicionar, de assumir suas decisões, de encaminhar ações. Consideram-se tímidas, envergonhadas, sem potencial e muitos outros atributos que as tornam menores diante de outros. Dizemos, frequentemente, que tais pessoas tem a autoestima muito baixa. Quando isso é apenas um achar, uma avaliação equivocada de si mesmo, e quando é uma constatação?

Outras pessoas consideram-se fortes, imbatíveis, capazes de lidar com quaisquer tipos de problemas, de enfrentar todas as formas de desafio. Como saber se isso é apenas uma imagem que constroem de si mesmas ou se, de fato, são assim?

É possível que a mesma pessoa tenha, sobre si mesma, as duas descrições acima citadas, em situações distintas? Ou se uma pessoa é forte, o é em todas as situações? Se deixar de sê-lo em um único aspecto, é sinal de que se enganou acerca de sua força? Ou se trata, apenas, de uma questão circunstancial?

Quando consideramos tais aspectos em clínica, avaliamos sempre a partir de cada circunstância, de cada contexto. Dificilmente encontramos alguém forte em todos os contextos, em todas as relações; assim como dificilmente encontramos alguém frágil em todos os aspectos de sua existência.

Da mesma forma, momentos diferentes da vida propiciam olhares diferentes sobre si mesmo, e a perspectiva a partir da qual nos observamos também interfere em nossa avaliação sobre nós mesmos. O grau de exigência, anterior a qualquer contexto ou relação, também influencia muito na avaliação do que uma pessoa acha de si mesma.

Em filosofia clínica, assim como no primeiro tópico da Estrutura de Pensamento – Como o mundo parece – , a fundamentação do tópico O que acha de si mesmo (clique aqui) encontra-se em aspectos fenomenológicos. Partindo do conceito de representação proposto por Schopenhauer (ver artigo percepção da realidade e do mundo é ilusória – clique aqui), o que acha de si mesmo é também uma representação da pessoa, e é ela que interessa ao filósofo clínico: como a pessoa se vê.

Quando nos vemos, vemos a partir de nossos referenciais, de um horizonte constituído a partir de tudo aquilo que já experienciamos, que vivenciamos. Quando nossas vivências são diferentes das de outras pessoas com as quais nos relacionamos, podem ocorrer choques de representação. Por exemplo, a pessoa é de uma maneira diante de seu próprio olhar, e o oposto disso diante dos olhos dos pais, ou dos amigos. Constitui-se um choque quando tais diferenças causam dificuldades, conflitos à pessoa. Pode também ocorrer da representação que a pessoa tem de si ser muito diferente do que a pessoa de fato é.

Mas tais pontos somente serão trabalhados clinicamente se estiverem relacionados aos objetivos clínicos. A disparidade entre representações pode não ser um problema, nem interferir no modo de ser da pessoa. Há casos em que interfere, mas de forma, propiciando movimentos existenciais desejados.

Como você se vê? O que acha de si mesmo? É compatível com o que pensam a seu respeito? É compatível com o que você realmente é? E com o que busca para sua vida?

Referências Bibliográficas:
PLATÃO. A República. São Paulo: Abril Cultural, 2004.
_____. Teeteto. Belém: UFPA, 1988.
SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e representação. São Paulo: UNESP, 2