Afetações em nossos modos de ser

por Monica Aiub

Se lhe perguntarem como você é, talvez a melhor resposta possa ser: depende. Depende de quê? Talvez dos contextos, das circunstâncias nas quais você está inserido, do tempo, das relações, dos lugares, do assunto em questão…

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Quando modificações em nosso entorno, nossas categorias (dos Exames Categoriais, em filosofia clínica: Assunto, Circunstância, Lugar, Tempo e Relação, clique aqui e leia: , provocam modificações em nosso modo de ser, nossa Estrutura de Pensamento (clique aqui e leia), dizemos que somos afetados pelo ambiente, pelo contexto, pelo outro, etc. Assim, podemos dizer que nosso modo de ser depende, em muitos casos, de tais afetações, ou de suas influências em nossas movimentações existenciais.

Você costuma observar modificações em sua forma de ser dependendo do ambiente no qual está? Algumas pessoas são mais permeáveis aos ambientes, outras menos. Algumas somente são permeáveis em se tratando de um determinado assunto, para outras questões não há permeabilidade. Algumas são mais flexíveis, outras mais rígidas. As que são flexíveis em alguns momentos podem não ter tanta flexibilidade em outros… Enfim, são inúmeras as possíveis combinações.

Essas movimentações, provocadas pelos contextos nos quais nos inserimos, são observadas, em filosofia clínica, no tópico denominado Análise da Estrutura. Neste tópico são consideradas a rigidez e a flexibilidade, a permeabilidade e a impermeabilidade, avaliando-se os diferentes contextos vividos pela pessoa. Em tais observações, o filósofo clínico acompanha as movimentações da pessoa diante das modificações de seus contextos. Não há, a priori, condição melhor ou pior. Não é preferível, em si, ser mais ou menos flexível, mais ou menos permeável. Tudo dependerá das necessidades da pessoa, colocadas diante das exigências e necessidades de seus contextos. Em outras palavras, tudo depende das maneiras que a pessoa encontrará para lidar com tais modificações.

A pesquisa sobre o tópico Análise da Estrutura permite ao filósofo clínico compreender as formas como a pessoa se movimenta, os aspectos nos quais há flexibilidade, permeabilidade, inflexibilidade, rigidez; os meios e modos de acesso aos pontos determinantes, estruturais de seu modo de ser. Juntos, filósofo clínico e partilhante (paciente), avaliam, quando este for o caso, as formas, os meios, os modos como o partilhante é afetado por seus contextos, e as implicações de tais afetações.

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Há casos em que o trabalho consiste em desenvolver flexibilidade para alguns pontos; há casos em que é preciso exercitar a inflexibilidade. Há situações em que a permeabilidade pode ser extremamente positiva; assim como há casos em que pode ser prejudicial. Lendo o que se passa em cada contexto, ambos pensarão juntos sobre as melhores formas para articular o que se passa no entorno do partilhante com suas necessidades existenciais.

No tópico Interseções de Estruturas de Pensamento, o filósofo clínico observa as movimentações existenciais do partilhante diante das diferentes relações estabelecidas. São consideradas, neste tópico, as relações com outras pessoas, com instituições, atividades, animais de estimação, objetos, grupos… Enfim, todas as relações estabelecidas pela pessoa, capazes de provocar alguma movimentação nela.

Você já percebeu alterações em você em determinadas relações? Podemos nos fortificar, enfraquecer; irritar, tranquilizar; ver um mundo melhor, ver um mundo pior; nos acharmos maravilhosos, nos acharmos horrorosos; e muitas outras possibilidades. Ao observar o tópico, o filósofo clínico apenas nota o que se passa com o partilhante diante de suas várias relações. Obviamente, há diferentes contextos, tempos, lugares, assuntos que também interferem e modificam as afetações geradas pelas interseções. Por exemplo, você pode sentir bem-estar diante de uma pessoa que encontra esporadicamente, mas ao ficar um longo período em sua companhia, passar a sentir um mal-estar. Pode se achar uma pessoa competente e maravilhosa na relação pessoal com alguém, mas se esta mesma pessoa estabelecer com você uma relação profissional, pode se sentir incapaz, inferior, diante dela.

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Há casos cujas interseções provocam movimentações tópicas específicas. Você já provocou alguém a estudar algo? Ou foi provocado a buscar o conhecimento sobre alguma coisa a partir da relação com alguém? Teríamos uma movimentação provocada no tópico epistemologia. Você já modificou seu sentimento por uma pessoa a partir da relação estabelecida com outra? Uma modificação no tópico emoções. Você já alterou algum hábito a partir da relação com alguém?
Movimentos no tópico comportamento e função, entre outros exemplos.

Tais modificações não são geradas, necessariamente, a partir de um desejo, pedido ou imposição do outro. Podem ocorrer, simplesmente, a partir do que a presença e o modo de ser do outro provocar em nós. Algumas pessoas nomeiam tais movimentações de diferentes formas: uns chamam de energia, outros de força, outros de influência, há muitos nomes dados a elas. Contudo, independentemente de nomenclaturas, o importante é observar o que isto significa para cada um de nós.

Quando nos relacionamos com outros, muitas vezes somos colocados em movimento por um modo de ser diferente do nosso, que nos provoca a questionar o que cremos, o que pensamos, o que sentimos, o que fazemos, como lidamos com nossas questões. Somos provocados a colocar nossas crenças, pensamentos, sentimentos, afazeres cotidianos, formas de lidar com nossos problemas em investigação. Em tese isso seria excelente, pois a investigação nos permitiria avaliar nossas formas de vida, e talvez, até, criar novas formas, mais adequadas a nossas necessidades.

Contudo, nem sempre é o que ocorre. Algumas pessoas, diante de um modo de ser diferente, passam, rapidamente, a adotar o modo de ser do outro para si. Isto pode ser bom, mas também pode ser desastroso. Já ocorreu com você? Ao perceber que outra pessoa acreditava, pensava, sentia, fazia ou lidava com suas questões de modo diferente, você, sem refletir sobre, sem investigar, modificou sua própria forma, aderindo ao formato adotado pelo outro? Qual foi o resultado disso?

Outras pessoas, ao se depararem com modos diferentes de vida, ficam extremamente irritadas, incomodadas, sentindo uma imensa necessidade de modificar o outro, impondo-lhe sua forma de vida. Você já quis modificar alguém? Já se sentiu incomodado(a) por um modo de ser diferente do seu? O que aconteceu? Há casos nos quais ocorrem mútuas influências, compondo-se uma nova forma, a partir da movimentação provocada pelo encontro. Você já passou por alguma experiência assim?

Como saber o que é melhor: ser absorvido pelo modo de ser do outro, impor seu modo de ser, constituir uma nova e diferente maneira, não se afetar com a diferença, ou outras e tantas formas…

Somos tentados a dizer, por hábito, talvez, que “a flexibilidade é importante”, mas também é importante “ter personalidade”, “não se deixar influenciar”. Somos cobrados, pelo menos socialmente, sobre a manutenção de nossos posicionamentos; mas também somos cobrados sobre nossa capacidade de flexibilizar nossos posicionamentos. Assim, sem uma avaliação mais específica de cada situação, torna-se inviável a defesa de um ou outro posicionamento. Poderíamos ser, e provavelmente seríamos, criticados, e às vezes até condenados, tanto por uma postura quanto por outra. Qualquer postura fechada, antes de uma avaliação acerca de suas implicações, é injustificável.

Experimentemos, agora, ampliar nossa discussão para interseções com grupos e instituições. Qual o melhor posicionamento? Antes de avaliar as implicações de cada posição, de cada contexto, é impossível concluir. Ainda que estejamos diante de instituições com estruturas tradicionais, com pouca flexibilidade, o questionamento sobre outras possibilidades de ser poderá levar à inovação necessária; mas poderá, também, nos levar a um processo de exclusão do grupo.

A questão é: como articular nossas necessidades às necessidades do grupo? Como apresentar nossos questionamentos de modo a provocar uma reflexão coletiva, numa linguagem que seja adequada e compreensível? Obviamente, tais movimentações exigem um estudo das necessidades e possibilidades dos contextos, das formas de linguagem mais adequadas, dos modos de expressão mais condizentes com os objetivos, entre outros elementos.

E se ampliássemos, ainda mais, o conjunto circunscrito para nossa sociedade? Haveria formas de provocar o diálogo? Haveria conversação possível para articularmos nossas necessidades às necessidades dos demais membros de nossa sociedade? Como a estrutura social afeta nossa estrutura existencial? Qual o nosso poder em afetar a estrutura social? Que formas possuímos para lidar com as afetações? Que meios possuímos para afetar?