Pensar ou replicar?

por Monica Aiub

Quantas vezes você quis expressar algo e entenderam outra coisa, completamente diferente daquilo que você tentou expressar?

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Quantas vezes você não encontrou palavras para dizer o que necessitava dizer, nem encontrou veículos ou instrumentos capazes de traduzir seus pensamentos, seus sentimentos?

Diante de questões como estas, muitas vezes encontramos como resposta o adequado uso da lógica e da gramática. Desde muito cedo somos ensinados a manifestar nossos pensamentos através de padrões lógicos, somos cobrados a fazê-lo desta forma. É fato que nem sempre pensamos a partir destes padrões, também é fato que na maior parte das vezes não utilizamos a correção gramatical em nossas expressões cotidianas. E ainda que assim fizéssemos, seríamos, de fato compreendidos? Quantas vezes você tentou se expressar de modo gramaticalmente correto, logicamente válido, e não foi compreendido?

Aprendemos, em princípio, que a lógica é universal, que há apenas uma forma de pensar, que corresponde à natureza. Este processo de naturalização de uma forma de pensar foi derivado da tese aristotélica de que a lógica existente em nosso pensar corresponde à lógica da natureza, mas também foi ensinado e replicado por várias gerações como forma de aceitação de determinadas teses, ideias e modos de viver. Ainda hoje aprendemos que o pensar correto é exclusivamente o pensar a partir da lógica clássica.

Na história do pensamento humano encontramos alguns desvios dessa forma como exceções apontadas por algumas vozes não muito valorizadas em seu tempo. Somente da segunda metade do século XX para cá é que encontraremos a validação de outros sistemas de lógica, que rompem com os princípios fundamentais da lógica, já apresentados no texto A lógica auxilia a resolver questões cotidianas? (clique aqui). Se há vários sistemas de lógica capazes de atuar simultaneamente, e nenhum deles é suficiente para abarcar a totalidade do real, então para que todos pensemos e nos comuniquemos a partir de um único sistema, é preciso que nos moldemos a ele.

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A lógica de Aristóteles tem como objetivo, segundo o próprio autor, o adestramento do intelecto. Ou seja, nosso pensamento precisa ser ensinado, adestrado para seguir determinados caminhos, determinadas trilhas que levarão, partindo dos mesmos pontos, obviamente, às mesmas conclusões. Não estaríamos, ao adestrarmos o intelecto de nossas populações, provocando um modo de viver específico?

Observemos um pouco melhor a questão: Se você pensa diferente do padrão, seja em sua forma ou conteúdo, seu pensamento dificilmente será validado pela maioria. Assim, a probabilidade de você se considerar equivocado será muito grande. Por que só eu penso diferente? Se você tiver dificuldade em adestrar seu intelecto de modo que seu pensamento siga a lógica padrão, você será apontado como tendo dificuldades intelectivas ou cognitivas. Muito provavelmente será considerado incapaz, excluído de determinados meios, ou submetido a diferentes formas de tratamento (outros meios para o adestramento) para ajustar-se ao padrão.

Numa sociedade democrática, que tem por base para suas decisões a vontade da maioria, e na qual o cidadão é livre para escolher seu modo de viver – como é o caso da nossa, adestrar o intelecto da população de modo a levá-la a considerar certas formas de viver como as melhores é garantir a replicação das estruturas vigentes, sejam elas favoráveis ou não à própria população.

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O próprio Aristóteles considerava ser a lógica insuficiente para a ética. Conhecê-la profundamente significa ter um instrumento em mãos, mas o que se faz com este instrumento é outra questão. Podemos nos tornar exímios corruptos com o domínio da lógica, como podemos nos tornar brilhantes e honestos juízes, capazes de fazer a justiça prevalecer.

O problema é que nem sempre nos apropriamos do conhecimento da lógica, que ainda que seja extremamente básica e presente em nossa educação sistemática, é tida como um "bicho de sete cabeças", ou seja, como algo dificílimo. Se não compreendemos as formas como pensamos, se não investigamos os conteúdos de nosso pensar, nossas conclusões podem ser equivocadas, podem até ser o oposto daquilo que realmente se dá no mundo em que vivemos. Como saber?

Estudar lógica é fundamental, mais que isso, aplicar estes conhecimentos não para adestrar o intelecto e pensar num único sentido, mas para compreender o sentido das construções de nosso viver, para que possamos ler a conjuntura na qual nos inserimos, para que possamos atuar de modo preciso, transformando as circunstâncias nas quais vivemos, é de fundamental importância. Mas ater-se à lógica clássica como adestramento, é inviabilizar qualquer possibilidade de atuação pensada, escolhida. É como aprender a pensar para não pensar. Alguns dizem que pensar dói: em dias como os nossos, em nossa sociedade, é melhor pensar ou replicar os padrões existentes?

Referências:

ARISTÓTELES. Organon. São Paulo: Edipro, 2010.
COSTA, C. M. Filosofia Clínica, Epistemologia e Lógica. São Paulo: FiloCzar, 2013.
COSTA, N. Ensaio sobre os fundamentos da lógica. São Paulo: HUCITEC, 2008.
HAACK, S. Filosofia das Lógicas. São Paulo: UNESP, 2002.