Crise dos 40 ocorre aos 36 anos

por Roberto D' Avila

Esta é a transcrição da primeira parte de uma entrevista concedida por Luiz Alberto Py ao jornalista Roberto D’Avila que comanda o programa Conexão Roberto D 'Avila na TV Brasil. O jornalista e o psicanalista cederam gentilmente a entrevista ao Vya Estelar.

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Roberto D' Avila – Quem somos nós, Py ?

Luiz Alberto Py – É uma boa pergunta. É a que temos que nos fazer sempre. E cada um de nos é aquilo que consegue ser. Em um determinado momento da vida, um belo dia a criança descobre que ela é uma pessoa. É uma descoberta que vai se organizando aos poucos e de repente você diz: eu sou eu, eu sou só eu e eu não sou os outros. A gente começa a ter uma noção de individualidade frente ao mundo e frente a outras pessoas.

Roberto D' Avila – Pensando que cada um de nós somos muitos …

Luiz Alberto Py – Cada um de nos é! Eu costumo dizer que cada um de nós é um grupo de pessoas. É como se fosse uma Assembleia Legislativa que tem vários partidos, tem a oposição, o governo, esquerda, direita, os rebeldes… Está tudo permanentemente em ebulição dentro da gente.

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Roberto D' Avila – O difícil é fazer um consenso dessas …

Luiz Alberto Py – Sempre tem alguém que manda, que tem a palavra final. Quando essa porção que detém o poder é autoritária, começa a haver uma reação que chamamos de conflito interno. Quando resolvemos autoritariamente nossas contradições, passamos a ter conflitos internos e aí vem a confusão.

Roberto D' Avila – O que difere a psiquiatria da psicanálise?

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Luiz Alberto Py – Primeiro a psiquiatria é uma especialidade médica. É uma área da medicina que lida com as perturbações mentais, não necessariamente com a loucura. E o psiquiatra trabalha com medicação, como os médicos o fazem em geral. A psicanálise é uma profissão inventada por Sigmund Freud que era um médico neuropsiquiatria, pois na época não havia divisão entre uma e outra especialidade. Ele criou essa possibilidade de se aproximar das pessoas e, conversando com elas, ajudá-las a resolver seus problemas. Isso desenvolvido com nome de psicanálise a pouco mais de 100 anos. Depois, aos poucos, foram surgindo várias formas de fazer psicanálise e, como não eram estritamente psicanalíticas, passaram a ser chamadas de psicoterapias. Hoje em dia há centenas de psicoterapias e a psicanálise é apenas uma das psicoterapias, a primeira a ser inventada. Foi a psicoterapia “mãe” que deu origem a todas outras.

Crise dos quarenta ocorre aos 36

Roberto D' Avila – Você quando tinha mais ou menos 40 anos, no auge de sua carreira, parou tudo e foi com a família para Los Angeles. Fazer o quê?

Luiz Alberto Py – Bem, eu tinha 37 anos quando viajei, mas minha crise profissional começou bem antes. E acho que a crise dos 40 acontece aos 36, embora a minha tenha sido precoce; com 34 anos eu já estava inquieto sobre minha carreira. Penso que nossa vida se dá em ciclos de 12 anos. Aos 12 entramos na puberdade e saímos da infância. Aos 24 estamos nos formando e aos 36 é quando nos olhamos e dizemos “este sou eu”. E perguntamos “É isso que eu quero ser?” Você já tem uma noção bem clara do que você é profissionalmente. Já está casado, com filhos e aí é a hora se questionar.

Comecei a me perguntar a respeito da minha profissão. Como meu pai era psicanalista, minha questão era: será que sou psicanalista por que estou imitando meu pai ou tenho uma vocação para isso? E a minha vontade de ser escritor onde ficava? As dúvidas me levaram a pensar em procurar um psicanalista e voltar a fazer análise. Eu me dava com todos os psicanalistas do Rio e de São Paulo. Queria alguém que eu não conhecesse e que não me conhecesse também. Nessa ocasião eu tinha ganhado muito dinheiro no consultório e decidi que queria o melhor analista que houvesse. Quem é o melhor do mundo?

Na minha avaliação, o melhor era um inglês que morava em Los Angeles, Wilfred Bion, que já tinha 80 anos de idade. E eu o procurei. O Bion vinha muito ao Brasil, ficava aqui um mês fazendo palestras e dando supervisões e cursos. Fui vê-lo e perguntei se ele aceitaria me atender nas seguintes condições: eu tiraria um mês de férias duas vezes por ano e ia vê-lo e uma vez por ano ele vinha para cá e então eu podia fazer ao todo três meses por ano de terapia com ele. Ele achou que era uma boa ideia, topou e passei a ir em janeiro para LA, ficava um mês lá, em abril ou maio ele vinha ao Brasil e em agosto, nas grandes férias do hemisfério norte, ele ia para a França, onde tinha uma casa de campo no interior, na Dordogne. Eu o encontrava lá para mais um mês de análise. Era Califórnia, Brasil e França. Um mês de cada vez, com cinco sessões semanais para aproveitar o tempo. Depois de três anos comecei a sentir que toda vez que a terapia ia ficando melhor, era hora de parar.

Psicanalista pondera sobre surdez de Beethoven

Certa vez, depois de um fim de semana, em uma segunda-feira, falei para ele que eu não queria mais discutir a questão de se eu tinha vocação ou não. Me lembrei de uma biografia de Beethoven, onde se dizia que quando ele era criança não queria ser músico, mas seu pai, que era músico, batia nele e o obrigava a estudar música. E ele, que era um gênio, se tornou um gênio da música. Achei que possivelmente ele teria sido um gênio em qualquer outra área também. E eu disse para o Bion, que mal comparando eu não era um gênio, mas era um psicanalista bem-sucedido. Falei: “meu pai não me bateu para eu virar psicanalista, mas eu acabei me tornando um, segui o caminho dele. Sou um cara bem-sucedido, faço um trabalho razoavelmente bom e então eu não vou mais questionar esse problema, não aguento mais conversar sobre este assunto.”

E muito formalmente, como era seu jeito, ele me disse: “Não podemos analisar o Beethoven porque ele não está aqui, mas eu gostaria de ponderar com você que talvez ele tenha ficado surdo para não ouvir o que compunha.” Gente! O que será ter que ficar surdo para a pessoa não ter que ouvir o seu trabalho. Foi quando me dei conta de que teria que levar este assunto às últimas consequências, teria que encontrar qual o meu real caminho e não podia mais me forçar a fazer alguma coisa que não fosse a minha verdadeira vocação.

L.A

Decidi me mudar para Los Angeles para fazer análise com ele em tempo integral. Fechei o consultório, encerrei minha carreira de psicanalista, minhas atividades, e peguei minha família e fui para L.A. E lá comecei a fazer minha análise diária enquanto me perguntava qual seria meu caminho, o que realmente gostaria de fazer de minha vida. Comecei a tocar piano e me perguntei se desejava ser músico. Tentei estudar economia, depois arquitetura e acabei me interessando por medicina alternativa.

Estudei acupuntura, massagens, medicina ayurvédica. Depois de uns três meses de me envolver com aquela coisa que havia muito na Califórnia nos anos 70, me dei conta de que aquela medicina, toda aquelas questões corporais estavam ligadas à alma, emoção. Comecei a refletir sobre a importância da relação mente e corpo e um belo dia – já estava lá há quase um ano e meio – me flagrei com vontade de ter cliente, de voltar a ser psicanalista. No mesmo dia falei para a minha mulher que queria voltar a ser psicanalista. Acabei sendo uma pessoa que escolheu duas vezes a mesma profissão. Decidi que minha busca estava terminada e voltei para o Brasil pronto para recomeçar meu oficio de terapeuta.

Roberto D' Avila – Fale um pouco sobre sua formação…

Luiz Alberto Py – Sou carioca, fiz medicina no Rio e fui fazer medicina porque queria ser escritor e achava que o melhor background para ser escritor era ser médico, pela experiência com seres humanos. Além disso, meu pai era médico psiquiatra e psicanalista. A falta de uma decisão muito firme dentro de mim, com 17 anos de idade, sobre o que fazer da vida, me levou a estudar medicina achando que seria uma boa alternativa. Lá fui eu para a faculdade de medicina, estudei cardiologia durante o 4º ano e depois comecei a fazer psiquiatria. Surgiu um concurso para residência em psiquiatria, com direito à moradia e a ideia de sair de casa me seduziu.

Fiz concurso passei e fiquei no IPUB (Instituto de Psiquiatria da Universidade do Brasil) três anos como residente, primeiro como estudante e depois como médico já formado. Da psiquiatria passei para a psicanálise e lá fui eu trilhando o caminho de meu pai. Para fazer formação em psicanálise, fui morar em SP durante cinco anos, porque nessa época a formação lá era de melhor qualidade do que aqui no Rio e achei que valia a pena o sacrifício da mudança em prol de um melhor preparo profissional.