O papel das mãos na medicina

por Alex Botsaris

As mãos sempre se constituíram em instrumentos essenciais para a prática médica. Para a medicina moderna por exemplo, elas permitem fazer a palpação, um exame onde através do tato, é possível colher informações que ajudam no diagnóstico. As mãos também servem à terapêutica: é com elas que o cirurgião manipula seus instrumentos, e assim extirpa um tumor ou corrige alguma anormalidade estrutural no organismo do paciente. Hipócrates, pai da medicina moderna, costumava exortar a importância das mãos no trabalho do médico, para seus discípulos.

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Mas o uso das mãos como instrumento de diagnóstico e cura é muito mais antigo e transcultural, fato que nos motiva a refletir mais profundamente sobre o seu papel na medicina. Há um histórico universal do uso das mãos em rituais de cura, em qualquer cultura ou civilização que nos debrucemos. Índios americanos, curandeiros africanos e até os santos das religiões cristãs usaram suas mãos para fazer curas. Estudos feitos com curandeiros populares, que trabalhavam com a interposição das mãos como instrumento de cura, revelaram que a interposição de suas mãos pode ter algum efeito biológico. Por exemplo, sementes submetidas à 'energização' das mãos desses curandeiros apresentaram índice de germinação superior e estatisticamente significativo em relação a sementes do mesmo lote, que não sofreram a 'energização'. Mãos de curandeiros e mestres de Qi Gonog chinês também foram eficientes em modificar de forma significativa a cinética de enzimas em solução. Contudo, até hoje não está claro qual a natureza dessa energia, nem quais são seus potenciais.

Esse histórico levou muitas medicinas tradicionais a usarem as mãos como um de seus métodos de tratamento. Por exemplo, as medicinas do oriente, como a tibetana, a chinesa ou a ayurveda, todas usam as mãos para tratar, seja em técnicas de massagem, seja para aplicação de energia curativa, o QI dos chineses, KI dos japoneses ou Prana dos indianos. Daí surgiram escolas como o Reiki e Johrei, as duas de origem japonesa.

O Reiki foi criado por um monge budista, Mikao Usui, inspirado em textos e experiências de monges tibetanos; enquanto o Johrei, tem como fundador o empresário e artista plástico Mokichi Okada. Okada, após passar por muitas experiências de vida difíceis e dolorosas, se espiritualizou e nesse processo, descobriu que poderia ajudar na cura de outras pessoas, criando o Johrei. Ambas as técnicas partem de pressupostos semelhantes, que relacionam o poder de cura a uma energia divina que existe no universo. O doente estaria com seu canal de cura bloqueado. O terapeuta, ao fazer a interposição de mãos, funciona como um canal entre o paciente e a energia cósmica, possibilitando assim o reequilíbrio e a cura. Já a escola chinesa, que usa o recurso terapêutico das mãos, o QI GONG, é mais sofisticada. Ela exige muito treinamento para aplicação, combina exercícios com respiração e emprega a entrada em transe meditativo para sua aplicação.

Em se tratando de uso terapêutico das mãos, existem ainda as escolas de massagem, cuja relevância é proporcional a sua universalidade. Temos uma miríade de escolas de tudo quanto é tipo de procedência, como o Shiatsu, a Tui Na chinesa, a massagem Thai, a massagem sueca, a Massagem de Tecidos Profundos, entre tantas outras. Todas se propõem a tratar a pessoa pelo estímulo e pressão na pele e tecidos subcutâneos . Evidências científicas recentes mostram que a massagem ajuda a relaxar, melhora o humor, regula a pressão sangüínea e o sono.

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No vácuo desse histórico, surgiram pelo mundo, (especialmente nos EUA) muitas novas correntes que usam as mãos como instrumento terapêutico. Nesse grupo temos técnicas como Touch for Health, Quantum Touch, Laying Off Hands e Energy Healing. Elas carecem um pouco de conteúdo e de suporte científico (já que não possuem a tradição como suporte), o que pode soar um pouco oportunista. Mas se justificam na busca legítima por métodos de tratamento baseados no toque, tendência crescente no mundo atual. O toque sempre foi um ato de grande conteúdo simbólico: Deus deu a vida a Adão com um toque de seu dedo. As pessoas estressadas e carentes da sociedade moderna, sentem-se melhor apenas com toques na pele, e pedem por isso.

Até os médicos se seduzem pela ideia de usar as mãos no processo de cura. Esse foi um dos motivos que, no meu caso, contou para que investisse em aprender técnicas de massagem e manipulação articular. No século XIX, o médico americano Andrew T Still criou o conceito de 'Medicina Manual' para aquela que era feita diretamente com as mãos. Still desenvolveu um conjunto de técnicas para tratar desde dores e problemas de coluna até sintomas cardiovasculares e digestivos. Sua técnica foi chamada por ele mesmo de Osteopatia, pois se baseava na manipulação de ossos para promover a cura. Still criou uma escola de osteopatia em Kirksville, que existe até os dias de hoje. Quase na mesma época surgiu uma outra escola de manipulação, a quiroprática (que significa 'prática com as mãos'), criada por Daniel Palmer, que não era médico. Hoje em dia, ambas são conhecidas e encontradas em todos países do primeiro mundo. E cerca de 150 séries clínicas com as mais variadas doenças já foram publicadas em diferentes periódicos médicos.

Outro ponto que sempre me encantou na medicina com as mãos é a sua simplicidade e facilidade de aplicação. Já tive a oportunidade em diversas vezes de tratar ou minimizar o sofrimento de pessoas, estando em locais remotos onde não havia qualquer infra-estrutura médica. Por isso é indiscutível que as mãos são instrumentos de cura e que podem até contribuir para melhorar a qualidade da medicina. Falta apenas voltarmos nosso foco para a valorização dos tratamentos simples e despojados.

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Esse texto e esta coluna não substituem uma consulta ou acompanhamento de um médico e não se caracterizam como sendo um atendimento.