Será que sofro de anorexia nervosa?

por Jocelem Salgado

Para quem não convive nem teve contato próximo com uma adolescente anoréxica (principalmente entre 13 e 18 anos), pode ficar a impressão de que se trata de coisa da idade, um mal da moda, passageiro e facilmente corrigível. Não é nada disso. Suas vítimas, quando encontram espaço para falar, relatam um grande sofrimento físico e psíquico. É como se, dentro delas, houvesse um outro ser capaz de deformar seus corpos no espelho e fazê-las fugir de qualquer alimento.

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O primeiro passo importante é perceber o que está acontecendo com elas – digo elas porque mais de 90% das vítimas da anorexia são mulheres. E por serem adolescentes, numa fase delicada da vida, precisam ainda mais de nossa atenção.

Isto porque já estão muito abaixo do peso, magras, muito magras, mas olham no espelho e se acham gordas, horríveis de gordas. Na mesa do jantar, sempre arrumam um jeito para fingir que estão comendo. Quando não conseguem disfarçar e alguém as obriga a comer, aproveitam a ida ao banheiro para enfiar o dedo na garganta e vomitar. Fazem de tudo para perder o apetite, até perder totalmente a vontade de comer.

O resultado de todo este comportamento se traduz no transtorno alimentar chamado de anorexia. A doença ficou conhecida nos anos 70 quando a cantora Karen Carpenter morreu de desnutrição decorrente da anorexia.

Hoje, os especialistas estão alarmados com o crescimento dessa doença que tem tudo a ver com o padrão feminino de beleza. Nos países industrializados, estima-se que aos 15 anos, uma em cada quatro meninas faz regime para emagrecer, sem que esteja acima do peso.

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É nessa idade da adolescência, quando a personalidade ainda está em formação, que a busca do modelo dos corpos perfeitos pode se transformar numa obsessão pela magreza. Emagrecer passa a ter mais importância que qualquer outra coisa na vida, inclusive o convívio social. O principal ideal é um corpo cada vez mais magro, não importa a que custo. É o sonho de se tornar uma Gisele Bündchen.

Atenção!

Mesmo quando as queixas e os pequenos episódios de "fuga da comida" possam parecer caprichos de menina, eles merecem cuidados de nossa parte. Em todos os casos, o melhor remédio é a atenção, sem cobranças e sem vigilâncias, mas firme e sempre presente.

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Mas mesmo nesses casos, a presença constante de pessoas amigas e de um terapeuta é fundamental. Pois embora os transtornos alimentares sejam em boa parte decorrentes da cultura e da moda, eles trazem uma carga de razões psíquicas e emocionais, na maioria das vezes familiares.

Há especialistas que recomendam um tratamento de choque, internando a adolescente e fazendo-a comer, queira ela ou não. Atitudes assim chegam a ser necessárias quando a paciente já perdeu peso em excesso e não consegue mais se alimentar, colocando sua vida em risco.

Parte dos casos extremos de anorexia terminam em morte por carência total de alimentos. Nas fases mais severas, a paciente terá de ser tratada por uma equipe multidisciplicinar, com o médico, o nutricionista e o terapeuta trabalhando juntos. O risco de recaídas é sempre muito grande, por isso a atenção deve ser continuada.

Mas boa parte dos casos de anorexia pode ser evitado com uma atenção cuidadosa e redobrada a essas adolescentes por parte das pessoas que estão à sua volta.

Diferença entre bulimia e anorexia

O transtorno bulímico caracteriza-se por uma dificuldade em conservar os alimentos ingeridos dentro do corpo. Suas vítimas se apavoram e sofrem muito com a possibilidade de ganhar peso. Mas, diferentemente das vítimas da anorexia, os bulímicos apresentam episódios recorrentes de comer sem parar e depois, com sentimento de culpa, adotam atitudes compensatórias. Comem compulsivamente, depois causam vômitos, tomam laxantes para provocar diarréia, usam diuréticos ou se entregam a exercícios físicos às vezes violentos.

As duas doenças, justamente por serem transtornos alimentares, têm a ver com a relação da comida com o corpo, e têm a ver com a forma como as pessoas enxergam e lidam com seus corpos. Nos dois casos, as pessoas portadoras dessas patologias se caracterizam por um fanatismo atroz na busca de um corpo perfeito.

Há autores que já classificam esses transtornos como uma "epidemia do culto ao corpo", epidemia que se multiplica à medida que o conceito de beleza se associa cada vez mais ao da magreza absoluta.

No caso dos bulímicos, a compulsão por comer e por se livrar da comida ingerida muitas vezes não transparece nas formas. Muitos bulímicos parecem estar dentro do peso, o que dificulta que seu problema seja percebido pelas pessoas que estão à sua volta. Muitos apresentam-se mais gordinhos ou esguios, dependendo de quanto tempo leva para provocar o vômito.

Se a família é presente e o bulímico precisa evitar comportamentos estranhos a ela, demora mais para ir ao banheiro; se vive só, a chance de provocar o vômito imediatamente é maior. Uma das vítimas famosas e saudosas dessa doença foi a princesa Diana, cujas formas não deixava transparecer suas compulsões.

As causas

Tanto é assim que a grande maioria desses transtornos são de origem nervosa (bulimia nervosa e anorexia nervosa). No caso da bulimia, por exemplo, a necessidade de vomitar ilustra a reação de pessoas que precisariam livrar-se de situações já vividas, que se tornaram intoleráveis em sua consciência.

Lady Di, ao vomitar, talvez tivesse querendo se livrar da relação traumática com o marido. Mas essa é apenas uma hipótese, pois a nossa mente pode adotar muitas formas de extirpar situações e conteúdos indesejáveis já vivenciados.

Da mesma forma, a repulsa ao alimento, a distorção da imagem corporal e a obsessão pela magreza, características da anorexia, seriam manifestações de situações de abandono e violência vivenciadas na infância.

Há relatos de adolescentes que atribuem sua anorexia às mães que as obrigavam a comer compulsivamente. Sentindo-se culpadas por não poderem dar a atenção que desejavam às suas crianças, essas mães tentavam compensar obrigando-as a comer.

Há especialistas que relacionam os transtornos alimentares a separações dos pais, violência dentro de casa, e a um excesso de insegurança agravado pela família e pelo ambiente escolar.
Vendo desta forma, bulimia e anorexia seriam reflexos de traumas emocionais que precisam ser cuidados pelas pessoas que estão próximas e, se possível, por especialistas.

São transtornos que podem se tornar muito graves se não forem observados e cuidados a tempo. Prestar atenção e estar ao lado são presentes que nossos adolescentes esperam e merecem de nós.

Dieta de prevenção

Infelizmente, cada vez mais tenta-se copiar um universo transmitido pelas modelos, onde prevalece a regra do quanto mais magro melhor. Todos sabemos que essa regra não é a mais adequada e, por isso, no nosso caso, e das nossas crianças, vale a pena insistir em hábitos alimentares saudáveis desde a infância, com refeições balanceadas cumpridas em horários fixos, e o desenvolvimento da educação alimentar.

Se a criança aprender que, durante a semana deverá cuidar da alimentação, seu refrigerante no final-de-semana não precisará ser proibido. Uma semana com arroz, bife e salada será recompensada com um domingo de sanduíches e sorvetes na padaria da esquina.

A estratégia é transformar a comida do dia-a-dia em momentos de prazer, com a garotada participando da preparação da salada, da escolha do legume e da elaboração dos molhos e temperos. Nada de dividir a atenção com a televisão. O prazer da comida tem que estar na brincadeira de reconhecer os sabores diferentes de uma beterraba, uma batata, uma abobrinha ou couve-flor.

Também é preciso conhecer e respeitar o ritmo de cada criança. Ela pode não querer uma sopa de beterraba às 11h, mas pode adorar e comer um prato inteiro às 13h. Cabe aos pais sentir qual a predileção de suas crianças, dos horários de sono ao momento em que sentem mais fome ou vontade brincar. Não se trata de atender suas vontades, mas de descobrir um ritmo e um horário que são próprios de cada criança.

Já os adolescentes não conseguem mais se enquadrar nessa de rituais e horários. Devoram pratos inteiros e dormem dez horas ininterruptas. São criaturas frágeis, e algumas vezes transmutam essa fragilidade em agressão e onipotência. Precisam de diálogo sincero e apoio para compartilhar uma angústia que só eles estão vivendo, pois são eles, nessa fase da vida, que perderam o corpo da infância, que perderam os pais da infância, o mundo agora é outro, inóspito para seus corpos destrambelhados, que cresceram depressa demais.

Como dizer a nós mesmos, e como dizer a esses adolescentes, que engordar e emagrecer além da compleição física da família pode ser um problema facilmente tratável?

Não há razão para tanto sofrimento, tanta angústia na alma teen, quando um pouco de conforto poderia ser estabelecido com um mínimo de diálogo com os mais velhos, pais, colegas, professores.

Nada pior para um adolescente que um adulto que tenta fazer dele um falso cúmplice. A cumplicidade que os adolescentes precisam é na esfera da sincera disposição em escutá-los, em dizer um pouco dessa sensação desagradável e necessária que é ver o mundo com outros olhos.

Vamos convidar nossas crianças, meninos e meninas, para colaborarem no preparo da mesa e na mistura dos temperos. Eles vão adorar. E nós, adultos, podemos estar descobrindo novos sabores nas nossas saladas.