Tom Cruise possui visão equivocada da psiquiatria

por Dr. Joel Rennó Jr.

Há vários anos dentro da minha prática clínica, observo preconceitos despropositados, disseminados em entrevistas ou em declarações de celebridades quando o assunto é saúde mental.

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Tom Cruise, recentemente, nas viagens de divulgação do seu novo filme Guerra dos Mundos criticou a atriz Brooke Shields, que de forma aberta assumiu ter tomado antidepressivo para um quadro clínico de depressão pós-parto. Ele diz que estudou a história da psiquiatria e que chegou à conclusão de que a psiquiatria é uma "pseudociência". Aqui, no Brasil, tal situação não é muito diferente. Já ouvi e vi várias declarações de nossas celebridades.

Afirmar que os antidepressivos apenas mascaram os sintomas da depressão, após tantos estudos científicos sérios terem comprovado a eficácia dos mesmos, foi uma atitude impensada de Tom Cruise, ao qual sempre tive profundo respeito e admiração pelo seu trabalho profissional. Chegou a comparar, ao vivo, no canal norte-americano NBC, a ritalina (metilfenidato), importante para alguns pacientes com transtorno do déficit atencional e hiperatividade, a drogas de rua.

Tais situações geram um retrocesso muito grande no que tange aos tratamentos modernos e eficazes envolvendo os diversos transtornos mentais como: depressão, pânico, ansiedade generalizada, transtorno obsessivo-compulsivo, fobias, transtorno afetivo bipolar, esquizofrenia, transtorno do déficit atencional e hiperatividade, além dos quadros de dependência química, etc.

Infelizmente, apesar dele não ter conhecimento aprofundado em psiquiatria ou farmacologia, suas opiniões, assim como as de outros artistas, acabam tendo um impacto destrutivo elevado na busca correta e precoce das diversas modalidades terapêuticas dos transtornos mentais, prejudicando pacientes, familiares e até os profissionais sérios das áreas de psicologia e psiquiatria.

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História explica preconceito

Historicamente, houve alguns equívocos e condutas inadequadas por parte de determinados setores de uma psiquiatria de má qualidade. Os pacientes não eram tratados com recursos terapêuticos satisfatórios, não existiam projetos eficazes de reabilitação psicossocial e intervenção familiar. Alguns hospitais asilares ou "manicômios" se caracterizavam até por abusos de diversas ordens. Porém, quero deixar claro, que dentro desse processo, passado é passado.

Realidade atual

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A realidade atual, como alguém vinculado ao meio acadêmico e clínico, é bem distinta, sem sombra de dúvida. Só para citar, a APA- Associação de Psiquiatria Norte-Americana-EUA e aqui, no Brasil, a ABP- Associação Brasileira de Psiquiatria, são Associações extremamente sérias, com atualizações científicas periódicas de seus membros, além de terem amplos objetivos sociais.

Mas retornando ao ponto das celebridades, astros no mundo todo emitem opiniões contundentes, caracterizadas por parcos recursos intelectuais e conhecimentos médicos questionáveis. Julgam-se onipotentes e profundos conhecedores da psique humana. Isso, além de improdutivo e irresponsável, fortalece preconceitos injustos contra todos aqueles que sofrem tanto com os transtornos mentais.

Alguns pacientes demoram mais de uma década para procurar um tratamento especializado em saúde mental. Quando finalmente procuram o psiquiatra alguns transtornos mentais estão cronificados e mais resistentes aos tratamentos padronizados estabelecidos. As pessoas têm medo de se expor, são recriminadas por familiares e amigos quando dizem que estão fazendo um tratamento na área de saúde mental. Muitos até se escondem, solicitam-nos para não avisarmos seus familiares que procuraram o psiquiatra. As empresas raramente custeam de forma correta os tratamentos de psiquiatria de seus funcionários.

As pesquisas, na área de neurociências e psiquiatria, têm evoluído muito nas últimas duas décadas. Há pesquisas nas áreas de neuroimagem, genética e biomolecular de ótimo nível. É um retrocesso absurdo algumas pessoas leigas na área de saúde mental, mesmo com egos inflados de celebridades que se acham conhecedoras até de assuntos médicos, aumentarem os estigmas envolvendo os portadores de transtornos mentais e seus respectivos tratamentos.