O neurótico mundo dos teimosos

por Patricia Gebrim

Meu gato é teimoso. Está um calor danado, eu tentando digitar este texto, já empurrei essa bola de pelos para longe do teclado várias vezes, mas ele volta sempre, insiste em ficar meio torto, entre mim e o teclado, uma pata meio no ar, a barriga esparramada, quase cobrindo as teclas. Desconfortável, sim, mas ele nem parece perceber. Desde que possa fazer o que quer, conforto deixa de ser fundamental.

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Assim são os teimosos. Insistem em posturas e atitudes que, muitas vezes, nada tem de confortável, mas não se movem para além desse lugar conhecido onde se sentem os donos do pedaço. Conheço um monte de gente assim e, para ser sincera, preciso dizer que vez ou outra, a carapuça me serve também. Que atire a primeira pedra quem nunca sofreu um ataque de teimosia.

A teimosia me lembra aquele personagem do Hemingway, o velho Santiago, que fisgou um enorme peixe, foi arrastado por ele para o alto mar onde travaram uma batalha insana. Tendo finalmente vencido o peixe, o velho foi atacado por tubarões e quando finalmente conseguiu voltar à praia, só tinha o esqueleto do peixe em seu anzol.

– Terá valido a pena? Vale a pena? — precisamos nos perguntar.

Teimoso é aquele que já entendeu, desde o primeiro encontro, que aquela pessoa nunca seria um parceiro compatível, mas decide tentar mesmo assim.

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– Quem sabe? — diz a si mesmo. – E mesmo quando o hálito do outro lhe pareceu ruim, o beijo não encaixou, a conversa não animou, o teimoso insiste, e se enrola, e perde essa coisa preciosa chamada tempo, só para lá no final da história dizer:
– Eu já sabia!

Teimoso é aquele que está infeliz em seu trabalho, infeliz até os ossos, se me entendem, aquela infelicidade que o faz imaginar uma visita a um hospício todos os dias quando sai pela manhã em direção ao trabalho, aquela infelicidade que lhe dá úlceras, ataques de raiva ou vontade de chorar. Mas o teimoso não desiste. Continua acordando cedo, dia após dia, não se permite arriscar, sair do script, mudar.

Teimoso é difícil. Mesmo se você se esmerar em mostrar a ele mil caminhos que tornariam a mudança possível, os teimosos sempre lhe dirão:

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– Sim, "mas…"

Niinguém convence um teimoso de nada, nem perca seu tempo! Ele precisará tirar a si mesmo dessa teia que o aprisiona nessa roda infernal que gira em falso. Neurose é repetição, dizia Freud. E estava certo.

Ouça. Não confunda teimosia com tenacidade!

Uma coisa é sermos persistentes, irmos atrás do que vale a pena, termos tenacidade na busca dos objetivos que nossa alma nos aponta, impulsionados por um encontro da nossa intuição com a realidade. A tenacidade é sempre conduzida por algo maior, algo que nos faz sentir orgulhosos de nós mesmos.

Outra coisa é a pura teimosia, essa insistência cega do ego em vencer, desperdiçando uma energia preciosa que poderíamos empregar de maneiras muito mais sábias. A teimosia nem se dá conta de qual é a batalha. Só quer provar a si mesma e ponto final.

É verdade que às vezes podemos nos confundir, não saber separar uma coisa da outra. Se isso lhe acontecer, eu sugiro que procure dar menos atenção aos pensamentos e se guiar mais pela sensação. Sempre que vamos na direção de algo real e luminoso, algo lá dentro de nós se acende, e mesmo em meio a grandes batalhas, uma força brota de nossas profundezas e nos sustenta. Se for esse o caso vá em frente!

No entanto, se a batalha for puramente uma repetição neurótica de nossos condicionamentos, sentiremos um extremo cansaço, ausência de vida, tédio e falta de vitalidade. Se você se sentir assim, preste atenção nas repetições, procure os pontos aos quais você vem teimosamente se agarrando e deixe-os ir. Acredite. Essa batalha não vale a pena!