Uma paixão cura a outra?

por Rosemeire Zago

Muitas pessoas acreditam que a separação acontece afetivamente quando um ou ambos verbalizam sua decisão, mas em geral até esse momento muitas “conversas” foram feitas, ou ao menos tentadas, sinais foram dados, apesar de muitas vezes ignorados, discussões, brigas, e até agressões verbais e físicas chegam a acontecer, podendo levar alguns anos até a decisão final.

Continua após publicidade

O que quer dizer, com raríssimas exceções, que sempre há muito desgaste durante esse processo. Mas devemos lembrar que apesar da decisão já ter sido oficializada, o divórcio já ter sido efetivado, ainda temos outro processo que se inicia: o processo interno da separação.

Como retomar a vida? Como lidar com as expectativas frustradas, as sequelas deixadas, as mudanças que se farão necessárias nessa fase? Como enfrentar a dor emocional, mesmo que ainda misturada com alívio? Não importa quem tenha tomado a decisão, o processo é difícil para ambos.

O velho ditado: “só se esquece um amor com outro”, seguido pela maioria, nem sempre é o melhor, pois não será o mais saudável a longo prazo. Você pode estar pensando: “mas por que não, se preciso tanto de amor, carinho, colo?” Primeiro é preciso reavaliar o que deseja para você além do carinho, pois se não houver uma exploração e entendimento, ou seja, uma elaboração de tudo que ocorreu no relacionamento que acabou, com muita frequência poderá repetir tudo aquilo que você não deseja mais.

Alguns padrões de comportamentos aprendemos muito cedo, ainda em nossa infância e passamos a repetir alguns desses padrões de comportamentos nos relacionamentos afetivos. Será que muitas vezes você não agiu em seu relacionamento como seu pai ou sua mãe agiam? Será que o que espera do outro não é muitas vezes aquilo que não teve em sua infância e por ignorar esse fato, está sempre buscando relacionamentos que nunca o satisfazem? A verdade é que tendemos a repetir padrões já conhecidos. Um exemplo comum é de quem teve um dos pais alcoólatra e, apesar de não ter desenvolvido o alcoolismo, pode se relacionar com alguém também alcoólatra. Outro exemplo é quem teve um pai ausente, poderá buscar um companheiro tão ausente como o pai. Quem teve uma mãe autoritária poderá se deparar com uma esposa com atitudes iguais, apesar dos anos que se passaram. É como se o inconsciente nos desse a oportunidade de resolver aquilo que enquanto crianças não tínhamos estruturas para resolver.

Continua após publicidade

Você já pensou o que é amor para você? Quais foram os modelos de dar e receber afeto e amor que teve nos primeiros anos de vida? Nem sempre o que acreditamos sentir e que damos o nome de amor, corresponde a esse sentimento tão nobre. É muito confundido com posse, apego, dependência, medo de ficar só, entre outros. Será preciso rever como aprendeu e sentiu amor na infância, qual referência teve de relação afetiva, qual modelo vivenciou de seus pais e que podem interferir diretamente em suas escolhas, e se não for identificado, continuará a interferir. Carências trazidas da infância, por pais omissos, distantes ou superprotetores, podem fazer com que confunda dependência com amor. É hora de aprender com tudo que passou, e acima de tudo, aprender a se amar. E isso inclui aprender primeiro a se dar o que tanto busca no outro.

É importante aprender a respeitar os próprios sentimentos, sem fugas, o que a maioria não faz, e sem perceber foge das mais variadas formas, seja recorrendo ao álcool, trabalho incessante, atividade extras, baladas, um novo relacionamento, qualquer coisa que o faça não sentir. Esquece-se que qualquer dor, principalmente a dor emocional, quanto mais for negada mais ela se fortalece e lá na frente terá que arcar com as consequências, que muitas vezes pode surgir em forma de doenças e/ou sintomas.

O verdadeiro problema não começa com o que sentimos, mas sim quando fugimos do que sentimos. Quando fugimos e negamos, não nos curamos. É preciso enfrentar a dor, sem fugas, pois só assim conseguirá aprender com tudo que passou e realmente obter a cura. É hora de recuperar, seja o que quer que você tenha passado, e recuperação leva tempo. Mas se você sentir dificuldade em lidar com todos esses processos procure ajuda de um profissional, no caso psicólogo, que com certeza irá te ajudar a superar e aprender com tudo. Afinal, o mais importante não é encontrar a pessoa certa, mas sim se preparar para encontrá-la.

Continua após publicidade

Entretanto, o mais comum é só terminar o relacionamento depois de já estar envolvido com outra pessoa. É como se isso desse mais coragem, segurança, para deixar o conhecido, sair da zona de conforto e recomeçar a vida. A falta de respeito não é só para com o outro, mas principalmente consigo mesmo e com a história que vocês viveram até aqui. Mas se há tempo a relação está desgastada, não há mais respeito, amor, cumplicidade, amizade, desejo, admiração, por que esperar se envolver com outra pessoa para tomar a decisão? A verdade é sempre o melhor caminho para todos.

Outro fato muito comum é querer desesperadamente começar um novo relacionamento sem antes elaborar o que acabou. Ao se envolver com outra pessoa seu inconsciente terá dois processos a elaborar: o fim do relacionamento anterior e o começo do atual. Esse processo é autônomo, não depende de nossa vontade. Outro processo importante e que deve ser considerado ao iniciar um novo relacionamento sem antes elaborar o anterior é a tendência do que chamamos transferência. Ou seja, muitas reações para com o novo parceiro podem ser decorrentes de conflitos não elaborados da relação anterior. Você poderá sim contaminar todo o relacionamento.

A separação é uma perda, e por essa razão existe um processo de luto – período de recuperação, que pode levar de seis meses a dois anos para que o inconsciente faça sua elaboração, e que deve sim ser respeitado. Esse tempo não é rígido, podendo variar em cada pessoa, dependendo do histórico de vida. Por exemplo, quem teve muitas perdas ou abandonos, principalmente nos primeiros anos de vida, tenderá a ter muito mais dificuldade em superar esse processo, pois lhe faltarão recursos internos.

Diante de tantos processos a serem elaborados será que há mesmo espaço para um novo relacionamento nesse momento? Isso sem dizer do processo de elaboração das crianças, caso tenha filhos. Mas então, o que fazer? O mais indicado, o ideal, que nem sempre conseguimos seguir à risca, é (re)aprender a cuidar de si mesmo. E principalmente, recuperar o amor-próprio e a autoestima, que nesse momento tende a não existir. Isso inclui identificar todos os seus sentimentos, explorar e aprender com tudo que vivenciou e sentiu na relação que acabou. Essa pode ser a oportunidade de você se descobrir, conhecer quem você é de verdade, descobrir sua essência, reconhecer suas qualidades, sua beleza, sua luz! É o momento de fazer coisas por você e para você. Há tanta coisa boa para você desfrutar: a cama só para você, os armários ocupados apenas com suas roupas, comer a hora que você quer e o que você quiser, ir onde e com quem quiser, e acima de tudo, aprender que a melhor companhia ainda é a sua própria!

Só podemos nos conhecer verdadeiramente quando nos permitimos sentir o que vai lá no fundo de nossa alma, e isso não conseguimos fugindo. É hora de pensar, refletir, cuidar das feridas, que um dia começarão a cicatrizar e aí sim, você estará livre e pronto para começar de fato um relacionamento com muito mais chances de ser aquele que você tanto deseja e sonha!