Natal traz um espaço potencial para simplesmente viver no aqui e agora

por Aurea Afonso Caetano

E então é Natal!

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E com ele todo o frenesi de um período carregado de demandas as mais diversas, muitas solicitações e emergências. Tudo que não foi realizado, concluído, encaminhado ao longo do ano entra em foco emergencial. O tempo do calendário domina o tempo da vida ou melhor: não há mais tempo possível.

Como manter a serenidade quando as exigências são tantas? Ou, o que é serenidade?

Diz o Aurélio – qualidade ou estado de sereno: calmo, tranquilo, manso, sossegado. Isto é, tudo o que há de mais difícil conseguir nesta época do ano.

É possível baixar as expectativas, por assim dizer, e buscar um equilíbrio? Um lugar no tempo e espaço, aqui e agora em que não sejamos simplesmente levados pelo imenso turbilhão que inunda nossas vidas neste momento?

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Talvez a saída seja exatamente esta, poder simplesmente vivenciar o momento aqui e agora. Poder fazer o exercício, muito difícil, de viver cada dia como “o dia”; cada solicitação e cada tarefa como as únicas necessárias para este tempo.

Importante lembrar que esse tempo, o do calendário, é uma criação humana; dá conta de nossa necessidade de medir, prever, controlar, organizar racionalmente; situar nossas vivências e experiências num tempo comum; possibilitar trocas e relações.

Noção de tempo: Cronos e Kairós

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Na mitologia há duas palavras diferentes para falar da noção de tempo: Cronos e Kairós.

O tempo cronológico ou de Cronos é o tempo linear, sequencial, de natureza quantitativa, medida linear de um movimento ou período, o tempo dos ciclos da vida, da passagem das estações. Já Kairós, que segundo algumas interpretações era filho de Kronos, é o tempo do momento oportuno; de natureza qualitativa é o tempo em potencial, eterno e não linear “o momento fugaz em que uma oportunidade/abertura se apresenta e deve ser encarada com força e destreza para que o sucesso seja alcançado”. O tempo divino.

E como reconhecer o momento oportuno ou o tempo de Kairós?

Não seria exatamente essa a proposta maior deste período? Mas…entramos em um frenesi, correndo atrás do tempo – cronológico – tentando dar conta de todas as tarefas, antes que chegue o Natal, antes que o ano termine. Quantos de nós não estão lidando com várias listas de coisas a fazer, presentes a comprar, pessoas a ver, atividades a terminar; festas a programar, férias a decidir…

Ufa! E a grande queixa é, mais uma vez, a de que não há tempo. Não teremos caído em uma armadilha ao permitir que apenas Cronos domine nossa vida? Mais ainda, ao acreditar que essa, que é uma medida arbitrária de tempo, é “a medida”, a única possível? Esquecemos que o calendário, enquanto construção humana, deveria funcionar a nosso favor e nos permitimos ser constantemente engolidos por ele.

Conta o mito que Cronos tinha tanto receio de ser destronado por um de seus filhos, como dizia a profecia, que engolia cada um deles não permitindo que eles vivessem. Talvez estejamos, neste momento, perdendo um tanto de nossas vidas ao permitir que o tempo cronológico nos devore.

E não deveria ser este o grande momento de Kairós?

O Natal cristão comemora o nascimento de Jesus, filho de Deus, criança divina nascida em um estábulo; lugar de passagem, em um momento de transição. Oportunidade, tempo em potencial, encontro com o sagrado; quando o humano se abre para a divindade e pode ser por ela fecundado. E este momento pode ser apenas isso: uma pausa ínfima, um sopro de ar, um momento de renovação, descanso, reflexão – espaço potencial, para simplesmente ser, aqui e agora.

Encontrei, na leitura de um livro durante o final de semana, trecho de um sermão judaico que me tocou profundamente. E porque este é o tempo de compartilhar e porque sabemos que cada religião fala a seu modo das mesmas questões, divido este trecho com vocês aqui:

* “O livro dos Provérbios diz que a alma de um ser humano é a vela de Deus. Isso significa transformar a si mesmo, renovar sua luz e saber que se sua luz brilha, não brilha apenas para você, que você pode realmente fazer uma diferença no mundo, que você coloca a Chanukiá (candelabro) na janela para que os outros vejam a luz. Espero que, na temporada que vem, por mais escura que seja, vocês sejam uma luz e partilhem essa luz”.

Que a luz esteja conosco!

* Forrest, Emma. Sua Voz Dentro de Mim. Rio de Janeiro: Rocco, 2013.