Nossos diálogos no dia a dia poderiam ser mais bem azeitados

Por Luís César Ebraico

Roberto entrou de maneira inusitadamente violenta em meu consultório, vociferando:

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Roberto:  —  Hoje eu vou falar!
Luís César:  —  Não sei se eu quero ouvir! – respondi, enfático.
Roberto:  —  Não??? – retrucou paciente, surpreso e murcho.
Luís César:  —  Pelo jeito, você já vem querendo falar isso há algum tempo.
Roberto:  —  É verdade.
Luís César:  —  Mas existe alguma coisa dentro de você não querendo que você faça isso.
Roberto:  —  É verdade.
Luís César:  —  Não me parece que “estuprar” uma bloqueio desses dê bons resultados psicanalíticos…
Roberto:  —  Não?
Luís César:  —  Não.  Dá rebote.  Você entra aqui, corajosíssimo, violenta as partes suas que não querem que você fale, vai embora e, entre esta e a próxima sessão, ou tem um ataque de angústia, ou de depressão, ou se defronta com o agravamento de algum sintoma.
Roberto:  —  É sempre assim?
Luís César:  —  Vezes suficientes para que não me pareça inteligente arriscar.
Roberto:  —  Que fazer, então?
Luís César:  —  Falar sobre o que vem impedindo que você fale.  Se você falar o suficiente sobre que obstáculo é esse, vai de repente perceber-se falando o que quer falar, de forma espontânea e natural, sem ter que fazer nenhum ato de coragem.
Roberto:  —  Bem, é verdade que o que eu tenho para falar me faz sentir humilhado, blá, blá, blá, blá, blá, blá…

Esse trecho de uma sessão real ilustra o princípio técnico-psicanalítico de que “a abordagem da resistência deve ter prioridade em relação à abordagem do resistido”.

E daí?  O que tem o leigo a ver com isso?  Tem a ver com o fato de que nossas comunicações ficariam muito mais azeitadas se evitássemos no dia a dia, diálogos como o seguinte:

FULANO:  —  Estou com dificuldade de dizer uma coisa para você… (hesitante)
BELTRANO:  —  Pode falar!!!… (seguro e enfático)

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Esse tipo de diálogo gera tensão e, fartas vezes, confusão, porque o sujeito que disse “pode falar” acaba, no fim das contas, se revelando incapaz de ouvir.  É perfeitamente possível empregarmos em nosso dia-a-dia o que a prática ensinou aos bons terapeutas.  Assim, por exemplo:

FULANO:  —  Estou com dificuldade de dizer uma coisa para você…  (hesitante)
BELTRANO:  —  Você tem idéia de que dificuldade é essa?

Isso tornaria nosso cotidiano menos tenso e melhor.

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