O sono, a criança e seus pais

por Ceres Araujo

Conta a mitologia grega que Hipnos, filho da Noite e de Erebo, era o deus do sono. Ele morava em uma caverna escura, rodeada de papoulas e pairava sobre a terra, distribuindo um repouso reparador a todos os homens. Morfeu era um dos filhos de Hipnos e cabia a ele a função de dar sonhos aos homens adormecidos.

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O sono e o sonho são fenômenos fisiológicos. O sono é o relaxamento natural dos sentidos, reparador, necessário e benéfico à saúde. O sonho tem uma função de muita importância na vida mental, pois é uma manifestação do inconsciente e traz a possibilidade de expansão da consciência e até de transcender mundos pela função da imaginação. Até os bebês no útero têm o sono REM (movimentos rápidos dos olhos), que é o sono no momento do sonho.

Assim a expressão popular “cair nos braços de Morfeu” tem o significado de não apenas cair no sono profundo, mas cair no sono que leva aos sonhos.

Uma das queixas recorrentes de pais, em consultórios de psicologia diz respeito às dificuldades do sono de seus filhos. Existem bebês que não dormem a noite, crianças que acordam muitas vezes de noite e chamam, buscam seus pais, crianças que têm dificuldade para adormecer, crianças que não dormem sozinhas, crianças que têm pesadelos, terrores noturnos… Por decorrência, os pais ficam exaustos, exauridos por não conseguirem conciliar horas seguidas de sono, passando, muitas vezes, a noite inteira atendendo seus filhos, depois de toda uma jornada de trabalho e de cuidados com a casa e com os filhos. São lares, nos quais o nível de estresse é elevado para as crianças e os adultos.

Acordar durante a noite é uma parte natural do ciclo de sono. Existem fases de transição entre a vigília e o sono. Passa-se por uma fase de sono leve, seguida pelo sono com sonhos e depois se tem a fase do sono profundo. Um processo inverso acontece até o acordar. Cada um desses ciclos dura aproximadamente uma hora e meia, e tanto adultos como crianças completam, em média, cerca de cinco deles a cada noite.

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Os recém-nascidos dormem, em média, o dobro de horas de seus pais, sendo a metade delas durante o dia. Durante o dia, os bebês alternam mais as horas de vigília e as de sono e à noite dormem mais horas seguidas. Com 6 meses, o bebê dorme 12 horas de noite e tem duas sonecas durante o dia. Com 1 ano, a criança dorme de 12 a 14 horas no total, incluindo um sono de dia. O sono diurno tende a desaparecer depois do segundo ano de vida.

O período do sono vai diminuindo à medida que a criança cresce. Alguns especialistas recomendam para crianças de 10 a 12 horas de sono, enquanto outros, mais tradicionais, sugerem de 12 a 15 horas, incluindo a soneca vespertina.

A diminuição do sono em crianças pode causar problemas físicos e mentais. Assim, a queixa recorrente dos pais a respeito das dificuldades do sono de seus filhos merece muita atenção. Mas, pode-se perguntar: são distúrbios de sono ou maus hábitos de sono? Com significativa preponderância, os segundos são mais frequentes.

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Maus hábitos de sono podem ser transformados em bons hábitos de sono e isso não é muito difícil. Técnicas de modificação de comportamento são demonstradas em livros especializados para ensinar a fazer dormir bebês e crianças. Por que nem sempre funcionam? Inúmeros fatores concorrem para a instalação desses maus hábitos e é preciso analisar as causas subjacentes à instalação deles.

Causas de maus hábitos de sono

– O filho acorda de noite e procura seus pais, desejando se aninhar com eles. Levantar e reconduzir a criança de volta a sua cama é o desejável, mas pais muito cansados nem sempre conseguem ter tal conduta inúmeras vezes durante a mesma noite. A criança se acostuma rapidamente ao calor do corpo dos seus pais e não consegue mais ficar na sua cama. Assim é preferível enfrentar o cansaço por algumas noites, condicionar o filho a dormir na própria cama para que se possa ter noites futuras de sono mais contínuo.

– A criança acorda de noite e quer a presença dos pais para brincar, ouvir histórias, conversar, etc. Muitos pais, principalmente mães que trabalham o dia todo e que experimentam culpa pelo afastamento de seus filhos durante o dia, inconscientemente podem buscar compensar de noite a falta do contato de dia e assim reforçam o ficar acordado de seus filhos.

– Criança que exige a presença dos pais ou de um adulto para adormecer e que, além disso, vai demorando cada vez mais para pegar no sono. Muitas vezes precisam segurar a mão, o braço, o cabelo, quando não precisam até aninhar-se junto ao corpo do adulto. Quando esse se afasta, a criança acorda e assim passa-se a noite e a madrugada. Pais se sentem escravizados nessa situação, perdem momentos importantes para a própria conjugalidade, para atividades pessoais ou mesmo para dormir e descansar.

– Crianças em fase de pesadelos acordam com medo, recorrem a seus pais e muitas vezes o medo de ter novamente sonhos ruins faz com que elas desejem dormir a noite toda junto a seus pais. Satisfazer tal desejo significa criar rapidamente um mau hábito de sono. É necessário dar acolhida à criança e ao seu medo, mas incentivar sua coragem e deixá-la dormir na própria cama.

Bebês e crianças devem ser conduzidos às suas camas, devem adormecer sozinhos e devem dormir a noite toda. É desejável e saudável que exista um momento do pré-sono, no qual pais podem rezar, contar histórias, cantar para seus filhos, momento, após o qual, a criança deve ir para sua própria cama. Caso acorde de noite, deve sempre ser levada de volta.

Caso um mau hábito de sono esteja já instalado e os pais desejem modificá-lo, podem usar uma técnica aprendida com o pediatra ou nos livros, mas se decidirem mesmo usá-la, devem ter persistência absoluta, pois usar uma técnica de modificação de comportamento e parar no meio, significa reforço para o comportamento inadequado e muito mais dificuldade futura. É como dar um passo para trás.

Crianças precisam dormir bem para crescerem com saúde física e saúde mental e pais precisam dormir para também manterem sua integridade física e emocional. Trata-se de uma questão de higiene do sono.