Falta atos de amor nas pessoas

por Patricia Gebrim

Alguns de meus artigos são escritos com o sangue de minhas vivências. Este é um deles. Gosto quando é assim, pois as palavras brotam de mim com tanta força e verdade que meus dedos mal dão conta de acompanhar a velocidade de meu pensamento.

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Este texto começou a ser escrito, dentro de mim, na fila da bilheteria do teatro. Sim, fui sozinha à Faap para comprar alguns ingressos para a peça MEU DEUS!, que me foi muito recomendada.

A cena: bilheteria da FAAP, sábado à tarde, umas 20 pessoas na fila. Após algum tempo esperando, comecei a tossir, fui pega por essa gripe que anda derrubando muita gente. Numa situação constrangedora como essa, no começo a gente fica meio sem graça, com medo de incomodar, tentando segurar a tosse. Mas a coisa foi ficando pior, eu tossia e tossia, cada vez mais alto, tanto que me retirei da fila, para não contaminar ninguém.

A "coisa" continuou e comecei a me sentir mal de verdade, sentia falta de ar e me sentei sobre uma das esculturas que adornam o belo salão onde fica a bilheteria. Escutem, sei que não se senta sobre esculturas, mas compreendam, a situação era delicada. A tosse ecoava no frio mármore do salão e era como se uma multidão tossisse comigo, digo isso para que entendam que o acontecimento não era nada discreto. De vez em quando eu olhava para a fila com um olhar de cachorro de rua pedindo ajuda, com a vã esperança de que uma alma boa me oferecesse ao menos um copo com água. Mas, sinceramente, o mármore era mais acolhedor do que aquelas pessoas.

Eu não consigo dizer o que me assustou mais. A intensidade daquele ataque de tosse, ou a frieza daquela fila, que seguia andando, deixando o meu espaço em aberto, sem que pessoa alguma sequer olhasse em minha direção.

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– O que está acontecendo conosco?

Eu olhava para aquelas pessoas e elas não me pareciam humanas. Era como se eu estivesse em frente a uma série de robôs, que estavam lá com a programação de comprar ingressos. Uma pessoa desesperadamente tossindo não fazia parte da programação, então bastava ignorar. E assim foi.

Vejam, ainda não fui à peça, mas pelo que li trata-se de Deus que, inconformado com o que anda acontecendo com a humanidade, vai à terapia, pois está profundamente decepcionado com o que fizemos do mundo que criou.

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Uma ironia. Pensem comigo, espera-se de pessoas que escolhem ir a uma peça com esse contexto, que tenham ao menos certo nível de consciência. E se "essas pessoas" agem assim, eu consigo imaginar por que até Deus anda precisando de terapia!

Entendam, não me coloco totalmente isenta de minha crítica. Embora saiba que não ignoraria uma pessoa que estivesse numa situação como a que descrevi, perguntei a mim mesma se já não devo ter deixado muito passar, se algum dia já não devo ter agido como um robô, sem sequer perceber que alguém precisava de mim. Perguntei a mim mesma quantas vezes não devo ter sido fria, agindo de forma robotizada, com a alma embotada nos calabouços de minha própria ignorância e autocentramento. Fiquei triste. Por mim. Por nós.

Quando finalmente consegui voltar à fila, sem que nenhuma palavra fosse dita por ninguém, e entre uma tosse e outra, consegui comprar meus ingressos, meu coração estava pesado.

Me dirigi para a saída, e lá do final da fila um senhor veio em minha direção. Um fio de esperança na humanidade se acendeu em mim. Será que é médico e quer oferecer alguma ajuda? Será que quer saber se estou bem para chegar a meu carro? Será que ainda há esperança para nós?

Ele se aproximou, e perguntou:

– Você conseguiu comprar ingresso para hoje?

Respirei fundo, respondi que não, e saí, sufocada, daquela tumba.

Esta é uma história real, em cada detalhe.

O que anda faltando é amor.

Mal posso esperar para ver como Deus se sai na terapia.