Posso adotar ou não filhos de usuários de drogas?

por Danilo Baltieri

"Estou em uma dúvida cruel. Estou apta para adoção de uma criança e me foi feita a pergunta se aceito ou não filhos de drogados. Estou bem confusa. Você pode me orientar, inclusive me indicando estudos já publicados?"

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Resposta: De fato, inúmeras evidências científicas apontam a influência de fatores genéticos sobre o risco de um indivíduo sofrer de quadros relacionados ao uso inadequado de substâncias psicoativas.

Existem vários fatores genéticos que têm sido estudados entre dependentes de substâncias, gerando, consequentemente, vários candidatos promissores para a "transmissão" do problema. Ocorre que, entre dependentes químicos, uma alta taxa de comorbidade, ou seja, de coexistência de outros transtornos mentais e de comportamento, é evidenciada. Logo, muitos dos fatores genéticos identificados na população de dependentes químicos podem também ser relacionados a esses outros transtornos mentais que frequentemente coexistem.

Dentre os vários fatores genéticos identificados entre dependentes de substâncias, estão os que codificam proteínas envolvidas no metabolismo de certas substâncias (como o álcool), e aqueles que codificam proteínas envolvidas no sistema cerebral de transmissão de neurossubstâncias. Devemos destacar que são várias as neurossubstâncias (neurotransmissores) envolvidas com o desenvolvimento dos quadros de dependência de drogas.

Para ambas as dependências de álcool e de outras drogas, considerável número de pesquisas sugere que fatores genéticos influenciam o risco para esses problemas. Além disso, estudos com gêmeos indicam que o risco de desenvolver transtornos relacionados ao consumo de substâncias psicoativas, bem como outros transtornos do comportamento frequentemente coexistentes (impulsividade, transtornos de conduta, por exemplo) é determinado, pelo menos em parte, por fatores genéticos compartilhados.

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É importante notar que a influência genética sobre o abuso e dependência de substâncias pode operar de formas também variadas. Existem evidências de que fatores genéticos que influenciam o início do consumo de substâncias são diferentes daqueles que influenciam o uso pesado, regular e a dependência.

De qualquer forma, além dos fatores genéticos, os fatores ambientais são importantes. Por exemplo, o início do uso de bebidas alcoólicas é fortemente relacionado a influências ambientais. Quanto ao consumo regular de tabaco, por exemplo, autores apontam taxas que variam entre 25 e 80% de influência genética. O papel de fatores genéticos sobre a dependência de outras substâncias é um grande desafio científico, tendo em vista a alta taxa de coexistência de outros transtornos mentais e do comportamento que interagem com o problema. A vulnerabilidade genética, desde que identificada, poderia ser modificada por *fatores protetores.

Seguramente, diferentes fatores genéticos exercem influência significativa no risco de um indivíduo padecer de problemas relacionados ao uso de álcool e de outras drogas. Contudo, as evidências científicas sobre essa influência não devem obscurecer a natureza ambiental significativa de muitos fatores de risco para o abuso de drogas. Drogas devem se fazer disponíveis para que o abuso e a dependência possam surgir. O tipo de substância disponível também pode ser importante, porque as drogas podem diferir em suas **propriedades de reforço. Outros fatores de risco que contribuem para o uso de drogas incluem normas sociais, disponibilidade das drogas, situação econômica (dependendo do tipo de droga), influência de pares, comportamento da família em relação ao consumo, leis, conflitos familiares, vínculo com familiares, atitudes e crenças em relação ao uso de substâncias, dentre outros.

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* Fatores protetores: abstinência completa de quaisquer drogas, atitudes negativas em relação ao uso de substâncias, influência dos pares quanto ao não uso de drogas.

** Propriedade de reforço das drogas: propriedade de induzir com maior eficiência a chance de uso continuado.

Abaixo, ofereço indicação para leitura:

Agrawal A, Lynskey MT, Heath AC, Chassin L. Developing a genetically informative measure of alcohol consumption using past-12-month indices. Journal of studies on alcohol and drugs. 2011;72(3):444-52.

Lynskey MT, Agrawal A, Heath AC. Genetically informative research on adolescent substance use: methods, findings, and challenges. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry. 2010;49(12):1202-14.