A arte de amar

por Ângelo Medina

Nesta entrevista ao Vya Estelar, a psicóloga Mônica Levi explica que viver uma relação saudável é uma questão de aprendizado e treino. Da mesma forma que construímos nossos projetos de vida, podemos trabalhar para termos uma relação afetiva harmoniosa.

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A terapeuta revela todos os mecanismos do relacionamento amoroso. Explica como viver ou separar bem, quando dá ou não dá mais. O momento em que a traição se torna um perigo. Mônica fornece dicas práticas para você ter um bom relacionamento e um teste para você avaliar como anda sua relação.

Vya Estelar – Qual é o maior problema dos relacionamentos afetivos?

Mônica – É quando as relações começam ou se tornam assimétricas, ou seja, o relacionamento torna-se desigual. Normalmente, a relação já começa assimétrica. Um dependente e passivo, muitas vezes, atua no papel de vítima. E o outro dominante que, aparentemente, detém o poder. Porém, ambos detém o poder, manipulam e controlam, através da culpa ou do medo, respectivamente, cada um no seu papel. A vítima diz: "Olha o que você fez comigo" e o dominante ameaça: "Cuidado que eu te abandono".

Você tem direito de exercer a troca de amor com quem realmente possa trocar

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Vya Estelar – Como é o padrão médio dos relacionamentos?

Mônica – O padrão médio em geral é assimétrico. Trata-se de uma relação simbiótica, onde cada uma das partes anula partes da sua personalidade. E os dois juntos formam-se como uma pessoa só. Sentem que não podem viver separados, um se alimenta do outro.

O lado infantil: carências trazidas da infância por causa de pais omissos, distantes ou superprotetores acarretam imaturidade emocional

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Vya Estelar – Como as pessoas fazem para atingir a simetria?

Mônica – Dominante e dominado não devem reforçar estas tendências e sim complementarem o que falta na personalidade de cada um. A mudança só ocorre quando a própria pessoa decide mudar, não adianta um querer que o outro mude. Quem domina tem que ser mais flexível e quem é dominando tem que abandonar seu lado infantil e crescer.

A base de uma relação: confiança, respeito e admiração

Vya Estelar – O que faz realmente uma relação ir para o ralo?

Mônica – São pequenas coisas somadas. Principalmente a falta de respeito: compromisso + confiança = respeito. A falta de admiração, onde também estão contidas a amizade e a cumplicidade. Sem falar num elemento, que não tem terapia que fabrique. Se não existe amor e atração física não tem relacionamento adequado. Caso contrário, são colegas, companheiros, irmãos…

Transparência: colocar tudo o que pensa e sente, poder pedir o que precisa

Comunicação: "Falar é plantar, ouvir e colher"

Olhar: "Eu te vejo e ao te ver me vejo. E ao me ver te faço" Zen Budismo

Vya Estelar – Quais são as queixas mais comuns dos casais?

Mônica – A falta do olhar, da comunicação, a rotina e o ciúme. Como diz o provérbio chinês: "Falar é plantar, ouvir e colher". Estudos demonstram que 60% de nossas atividades diárias podem ser classificadas como comunicação. E nessa atividade é importante refletir o que experimentamos e aprendemos.

Inveja: uma queixa difícil de assumir

Uma queixa difícil de assumir mas, às vezes atrás de pequenos problemas, vem por baixo a inveja, você querendo ter ou fazer, algo que o outro tem ou faz. Por exemplo, um dos parceiros é uma pessoa muita solta, muito natural ou criativa e está de bem com a vida. Digamos que esta pessoa nem liga para ganhar muito dinheiro, mas está muito feliz. Já o outro faz um trabalho que considera enfadonho, só pelo dinheiro, pode sentir inveja de ver o parceiro todo solto e feliz.

"Eu me sacrifico, batalho e o outro está lá numa boa. Faz o que quer e gosta. Eu queria ser assim e não consigo"

O lado positivo: você pode colocar o que inveja no outro como uma meta pessoal, um objetivo…

Vya Estelar – E as queixas sexuais mais frequentes?

Mônica – As mulheres se queixam da falta do romantismo, magia e carinho antes da transa; quando o ato sexual se torna automático. A falta de orgasmo, por parte da mulher, se o homem é mais rápido. Os homens costumam reclamar quando as mulheres não tomam iniciativa.

Vya Estelar – Por que a dificuldade do diálogo nesta área?

Mônica – Porque existe ainda, em pleno ano 2000, uma grande falta de informação sexual adequada, inclusive em pessoas de nível superior. Informação atual de consultório: jovens – de até 30 anos – que tiveram uma educação muito rígida, ainda tem uma conotação de que sexo é sujo e ruim. Pessoas que preferem negar a informação, embora esteja tudo por aí.

"No adultério há pelo menos três pessoas que se enganam" – Carlos Drummond de Andrade

Vya Estelar – O que contribui mais para a traição acontecer?

Mônica – É a falta de afeto. O sexo ainda pode durar por um certo tempo. Mas com o tempo você perde o interesse é pela pessoa inteira. O primeiro sintoma é não se beijar mais na boca. O beijo é mais íntimo do que a própria relação.

Na traição o grande perigo é o envolvimento emocional, mesmo que não tenha acontecido a transa

Vya Estelar – O que você sugere quando ocorre a traição?

Mônica – A pessoa, se possível, deve falar antes de ocorrer a traição, sobre suas insatisfações. Mas se pretende continuar junto não precisa falar que traiu. Tem que falar o que está faltando no relacionamento, para poder resgatá-lo. A traição é perigosa mesmo, quando há envolvimento emocional, mesmo que não tenha ocorrido a transa. Com o envolvimento emocional, você realmente é capaz de deixar o seu companheiro para ir ficar com o outro.

"Estou envolvido emocionalmente, mas não transei, então está tudo bem."

Engano!!!

Muito pelo contrário, é super perigoso. Mas se deu um pulinho, dá para resgatar. Num caso de traição, as pessoas tem que avaliar o que está acontecendo no relacionamento para que haja uma terceira pessoa.

Quem traiu: "Eu fui por que eu quis e pronto."

Traído: "Você quer ficar com a pessoa ou não?"

É nesse nível que tem que ser a conversa. Mas é fundamental que aconteça o perdão para a relação poder continuar.

Vya Estelar – Quais são os tipos de traição?

Um terceiro elemento entra numa relação quando existe um espaço aberto. É a mais comum.

O tipo "Don Juan" existe tanto para os homens como para as mulheres. São pessoas que têm problema de baixa auto-estima e que possuem a compulsão de sempre estarem conquistando alguém. A partir do momento que a conquista é realizada, a pessoa fica desmotivada e tem que partir, novamente, para uma nova conquista. Elas têm que provar o tempo todo, para si próprias, que são capazes de seduzir. Neste caso, por mais que seja bom o relacionamento, de nada adiantará. Só acham graça e motivação no exercício da conquista e da sedução. O homem e a mulher "Don Juan", pararam na adolescência. São eternos adolescentes.

A Dupla Traição

Um dos dois trai com alguém muito íntimo, então os dois traíram. Pode ser a esposa que transa com o melhor amigo do marido ou marido que transa com a cunhada. Pode acontecer, no fundo, até por uma conotação de vingança.

Relacionamentos Abertos

Neste caso, não existe traição. Cada um tem a liberdade de fazer o que quer, limitando-se à sinceridade. Por exemplo: "Este final de semana não vou ficar com você, porque vou passar com fulano". Estatisticamente, estas relações não duram mais do que dois anos, porque um dos parceiros vai acabar exercitando esta liberdade com mais intensidade do que o outro e o sentimento de posse vai acabar surgindo.

Vya Estelar – Quando ainda dá para administrar uma relação?

Mônica – Quando acontece, por exemplo, dificuldade no diálogo, o que acarreta outras dificuldades. Este problema pode ser solucionado se ambos estivem a fim de solucionar. Pode se resolver também, uma questão de ciúme.

Amor não se fabrica ou se tem ou não se tem. Amor se cultiva.

Vya Estelar – Quando realmente não dá mais?

Mônica – Quando acaba o amor e a atração física – a química da pele que não tem explicação. Isto você tem ou não tem. Ele até seria um companheiro ideal, mas eu não sinto amor por ele.

Por algum motivo de diferença crucial de escala de valores

Não dá mais para conviver, mesmo ainda amando, se um dos parceiros, por algum motivo, começa a trabalhar em atividade criminosa. A diferença cultural pode até se sustentar num namoro, mas jamais num casamento, porque entram valores do tipo: como será o nosso orçamento, em que nível pretendemos chegar e como pretendemos educar os filhos.

Normalmente quem pede a separação é quem está por baixo

Vya Estelar – Por que quem pede a separação é o culpado?

Mônica – Porque quem pede é o responsável pela separação. Normalmente, quem pede a separação é aquele que está por baixo. Porque chega um momento em que a pessoa satura e não aguenta mais.

Vya Estelar – Como contar aos filhos?

Mônica – Para a criança não se mente. Você tem que falar de acordo com a idade, para que ela possa entender. Porque a criança capta a mentira.

Vya Estelar – O que vem a ser a negociação?

Mônica – As pessoas devem explicitar um contrato quando entram num relacionamento. No casamento religioso, por exemplo, o padre lê um contrato, de relacionamento geral, respeitar na pobreza e na alegria, amar… No ritual judaico é "…enquanto dure o casamento". Porém, cada par deve especificar um contrato verbal do tipo: o que eu espero dar e o que eu espero receber. E é importante atualizar este contrato, porque as necessidades vão mudando. Até contrato de aluguel você atualiza.

O passado não pode ser mudado, mas sempre aprendemos com ele. Você tem que saber: o que fez até agora foi o melhor que poderia ter feito e da maneira como soube fazer

Vya Estelar – Como separar-se bem?

Mônica – Sair bem do relacionamento, para depois de ter elaborado a despedida, começar um outro. Sair bem de um relacionamento, é conseguir retirar todos os vínculos, não ter nem amor e nem ódio. Se ficar vinculado pelo ressentimento e pelo ódio, não separou. Nessa despedida, você tem que elaborar tudo o que ficou de bom e guardar para sempre. Você tem que se perdoar e perdoar o outro. Realmente se despedir. Se a pessoa sumir, escreva uma carta, mande um e-mail ou uma fita, mas comunique-se. No caso de filhos, não usá-los como joguetes, manipulações e pombos correios.

Você se despede do passado, adquire confiança e liberdade pessoal para caminhar para uma nova relação

Vya Estelar – Como entrar bem numa nova relação?

Mônica – Depois de você elaborar todas as emoções de depressão, solidão e raiva… Você precisa reformular a auto-estima e voltar a uma vida normal. Aí sim, você está pronto para ter uma outra pessoa. Não se deve é arrumar alguém só para preencher um buraco.