Estilo: glamourização do mal

por Roberto Goldkorn

Andando no shopping, vi uma moça muito bonita com meias na altura do joelho onde estava escrito "EVIL" (mal) e logo abaixo uma tatuagem onde se via os chifres de um "diabo". Venho observando há tempos essa glamourização do Mal, do maligno, por pessoas que têm necessidade de serem diferentes, de caminhar contra o mainstream, ou seja contra a corrente. Não posso apostar, mas tenho quase certeza de que aquela jovem elegante não seria capaz de atos malignos, nem bebia sangue de criancinhas em rituais satânicos. Ela deveria estar apenas seguindo um impulso individualizante, do tipo: "Eu sou diferente, não sou apenas um rosto na multidão."

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Ela não deve ter ideia (outra presunção minha) da real face do Mal (evil); e como ela é antiga e se manifesta cotidianamente nas nossas vidas, trazendo a dor, e a tragédia para milhares de pessoas. Mais ainda, apesar de não ser uma agente direta do espírito maligno que se compraz em infligir sofrimento nos outros, sem saber, ela coloca moedas na conta corrente universal do Mal. Quando de alguma maneira eu aplaudo os signos do mal, seus ícones, estou alimentando a energia espiritual e psíquica que age para destruir e causar sofrimento.

À noite assisti a um programa que mostrava a atuação de um estuprador violento nos EUA. No final, descobriram a identidade dele – era um policial, que se formou com distinção, e jurou defender e servir à comunidade. Ele certamente se negaria a ter uma tatuagem de diabo agregada à sua pele e não andaria por aí com um boné escrito EVIL, mas abriu a sua mente para que o Mal entrasse e lhe usasse como seu instrumento.

Líderes religiosos, que matam e destroem vidas em nome de seu deus ou de uma missão, também estão apenas fazendo o paciente trabalho do Mal, da pior maneira possível acreditando que estão no caminho divino.

Da mesma maneira que numa construção, operários, engenheiros, projetistas, e compradores estão todos, direta ou indiretamente envolvidos no trabalho de construir algo, o Diabo também tem seus diferentes níveis de colaboradores – desde aqueles que efetivamente colocam a mão na massa, até os que divulgam uma imagem glamorosa desfilando num shopping center.

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E os que apenas passam e observam o prédio ser erguido e nada fazem, colaboram também? Claro, que sim, os omissos são parte do projeto, embora não tão importantes quanto os engenheiros e arquitetos.

Sou daqueles que acreditam no diabo como força espiritual e psíquica. Não no diabo religioso, pintado com as cores e imagens dos inimigos de outrora. Acredito na força do Mal, como uma energia viva, destinada a destruir. Mas não confundo o programa de destruição do diabo, com o programa da destruição necessária à reconstrução. A destruição das Torres Gêmeas não pode ser confundida com a destruição de um conjunto de apartamentos velhos para dar lugar a prédios novos, melhores e mais acolhedores. Não se pode confundir Shiva com Satanás.

Acusar o diabo por tudo de ruim que nos acontece é infantil, acusar o diabo pela corrosão dos costumes, pelo funk ou pelo carnaval, é bobagem, o Diabo não é algo que possa ser usado para atacar uma cultura que seja moralmente diferente da nossa: Houve época que o rock and roll foi considerado obra do diabo pelos mais puritanos. O diabo pode estar num canto religioso se este for entoado enquanto se mata ou tortura "hereges".

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O Mal é inegável, e está como sempre esteve à nossa volta, dentro e fora de nós. O Mal pode ser reconhecido pela gratuidade, pelo caráter aleatório, pelo sem sentido de suas ações, por mais que seus perpetradores tentem lhe conferir sentido. Na década de 80 Carlos o Chacal, matou gente inocente, jogou bombas em shoppings e aeroportos, mutilou, aterrorizou, milhares de pessoas. Ele dizia que queria "destruir o sistema", se via como um cruzado anticapitalista. Tudo bobagem. Ele era um agente do Mal, simples assim. Causou sofrimento sem sentido, lutou uma guerra em que só havia um lado envolvido – o dele. Está preso até hoje, numa solitária, não mudou o sistema, não derrotou o capitalismo, mas deixou um rastro de dor e perdas para aqueles que tiveram o azar de cruzar o seu caminho. Na verdade, ele pensava estar servindo ao comunismo internacional, mas foi iludido, ele servia ao Mal.

Para ser o Mal maligno, não basta que o agente diga que "há um sentido", que existe um propósito, é preciso que saibamos que é aleatório, banal, sem consciência – apenas MAL.

Mas, quando algum agente do Mal, diante de argumentos suplicantes de que "ali só existem inocentes", responde: "Ninguém é inocente" ele pode estar dizendo uma poeira de verdade.

Não somos inocentes quando fingimos que não é conosco, que o mal só acontece com os outros, e que basta ir à missa aos domingos para deitar à noite com a certeza do dever comprido. Precisamos bloquear a nossa mente para a intrusão do Mal e em contrapartida fazer o Bem, sempre, pensar o Bem, sentir o Bem e combater pelo Bem.

Não sou pacifista, não sou daqueles que acreditam em combater o mal com flores e abraços. Acredito que pode haver necessidade de combater o mal com ferro e fogo, acredito que a violência pontual pode ser uma arma do Bem contra o Mal (imaginem se o mundo civilizado não se unisse contra o nazifascismo de forma violenta, onde estaríamos agora?).

Nesse bom combate se inclui também não colocar azeitona nos ícones do mal, como tatuagens diabólicas e palavras que glorifiquem o mal, mesmo que seja apenas um modismo de uma jovem exótica.